Nossas Entrevistas
Neurocirurgia
Tema: Doença Cerebrovascular na Anemia Falciforme
Por Dr. Igor Maldonado
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Olga Goulart – A anemia falciforme é uma doença genética mais comum no Brasil, com dados que estimam o nascimento de 3500 novas crianças com a doença por ano. A cidade de Salvador, por exemplo, tem a maior incidência da doença no país, sendo acometido 1 bebê a cada 650 nascidos vivos. Estes altos números observados em Salvador e na Bahia não são simples coincidências não. Eles estão relacionados a nossa forte herança africana e dentro deste contexto vale lembrar que as pessoas negras são as mais acometidas. É uma doença grave e ainda sem cura, que pode trazer implicações sérias e até mesmo problemas mais graves, isso se não houver uma assistência adequada. O diagnóstico precoce e o acompanhamento regular com uma equipe de saúde podem reduzir muito e até evitar as complicações da doença.
Então hoje a gente conversa com o doutor Igor Maldonado para saber definir com mais precisão a anemia falciforme e ensinar para a gente quais são os cuidados.
Doutor, o que é a anemia falciforme? Quais são as causas dela?
Dr. Igor Maldonado – Olga, a anemia falciforme é uma entidade genética, é uma das mais comuns do nosso país, é um problema genético que causa uma deformidade, em determinadas situações, das hemácias, dos glóbulos vermelhos no sangue. Essa deformidade das hemácias pode ter uma série de consequências, inclusive problemas isquêmicos de circulação e a pessoa manifesta de diversas formas também, mas as mais comuns são crises de dores, por exemplo nos ossos, cor amarelada na pele e eventualmente até situações mais graves como acidente vascular cerebral (AVC).
Olga Goulart – Bom, doutor, diante da gravidade das consequências da evolução da doença da anemia falciforme, nós podemos dizer dos sintomas neurológicos, acho que essa é a grande preocupação da sua especialidade, eu queria saber como evitar esses problemas?
Dr. Igor Maldonado – Olha, uma coisa fundamental é o acompanhamento médico regular e dependendo do paciente ele precisará ser muitas vezes multiprofissional, interdisciplinar. Ocorre que em determinadas situações o hematologista ou o pediatra vai encaminhar o paciente para uma triagem. Como assim uma triagem? Sabendo que ele tem anemia falciforme a gente fica com orelha em pé em relação a possibilidade da pessoa, muitas vezes uma criança ou um adolescente, apresentar uma doença cerebrovascular, quer dizer uma doença dos vasos das artérias que levam o sangue ao tecido cerebral, é sabendo se o indivíduo tem ou não essa doença que a gente vai tomar atitudes para prevenir o derrame antes que ele aconteça. Essa medida preventiva dependerá do tipo e do grau da doença cerebrovascular. Então é fundamental detecção precoce quando ela existe.
Olga Goulart – Bom, além de uma avaliação clínica bem feita, existem alguns exames que poderiam evidenciar para ajudar num diagnóstico preciso?
Dr. Igor Maldonado – Sim. Numa situação de triagem em larga escala, existe um exame chamado de Doppler Transcraniano, que é uma espécie de Ultrassom relativamente simples que se faz sem nenhum tipo de anestesia, sem dor, com um pouquinho de gel aplicado à pele do coro cabeludo e o resultado pode ser dado imediatamente.
Olga Goulart – Ok. E existe contraindicação para a realização do Doppler Transcraniano?
Dr. Igor Maldonado – Não há contraindicação para a realização do Doppler Transcraniano, mas ele não é um exame com sensibilidade e especificidade perfeitas, isso significa que é um exame inicial e em algumas situações, a depender do resultado, o profissional de saúde vai pedir que o exame seja completado por uma outra técnica que pode ser, por exemplo, uma Angiorressonância dos vasos cerebrais que já é um exame bastante diferente. Então é um exame inicial, mas que não vai fechar o diagnóstico ele sozinho algumas vezes.
Olga Goulart – Eu imagino então que sendo uma doença que ainda não tem cura, que o acompanhamento deva ser muito importante para garantir uma qualidade de vida a este paciente, não é doutor?
Dr. Igor Maldonado – Sem dúvida. Essa situação de estreitamento dos vasos cerebrais que acontece em alguns pacientes com anemia falciforme, aumenta muito os riscos de derrame de forma recorrente, então o objetivo é entender o que está acontecendo com o paciente antes que o derrame aconteça, ou se o derrame já aconteceu, evitar que ele aconteça novamente. Dependendo do que os exames mostrarem a gente tem algumas estratégias, desde estratégias transfusionais, por exemplo existem protocolos de transfusões repetitivas para se controlar a doença até estratégias medicamentosas ou eventualmente em último caso, estratégias cirúrgicas para ajudar a restabelecer a circulação cerebral. Então tudo depende de uma investigação muito bem feita, como você colocou e de um acompanhamento regular.
Olga Goulart – A intenção certamente é de colocar o paciente em condição de controle absoluto do problema para não, obviamente, comprometer esse sistema neurológico, não é isso?
Dr. Igor Maldonado – A principal intenção seria evitar que nós tenhamos pacientes com doença cerebrovascular relacionada a anemia falciforme, o que nós chamamos Moya-Moya símile sem o devido acompanhamento, porque isso é o que infelizmente ainda é relativamente comum, pacientes que tem esse problema vascular com o risco elevado de derrame, mesmo na infância e que não sabem que tem esse risco e justamente por não ter a orientação, por não ter o acompanhamento, venham a ter o derrame, às vezes aos 13, 14 e 15 anos e isso é realmente uma pena porque são pessoas que tem toda a vida pela frente.
Olga Goulart – Então diante de todas essas informações, quem tem algum traço dessa situação, conforme nós relatamos aqui desde o início, é melhor que procure esse acompanhamento médico desde cedo, ou seja, desde a infância.
Dr. Igor Maldonado – Interessante é que pelo menos uma avaliação tenha sido feita no caso do traço falcêmico e um acompanhamento segundo as orientações de um hematologista ou de uma equipe multidisciplinar no caso do falcêmico homozigoto.
Olga Goulart – Ok. Doutor Igor Maldonado, muito obrigado pelas informações e daqui a pouco teremos muito mais aqui no Viva Mais Viva Melhor. Obrigada e até a próxima.