Nossas Entrevistas

Neurocirurgia

Tema: Aneurisma Cerebral

Por Dr. Igor Maldonado

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Olga Goulart – Aneurisma cerebral é uma dilatação anormal em uma artéria do cérebro. É uma doença potencialmente grave, pois caso o aneurisma se rompa há uma hemorragia dentro do crânio que se não tratado a tempo, pode levar a morte. Em geral, as pessoas que têm aneurisma cerebral já nascem com um defeito na parede do vaso que vai se desenvolvendo e aumentando de tamanho ao longo do tempo.

Para esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre o assunto, quem conversa conosco hoje é o médico doutor Igor Maldonado, especialista em neurocirurgia. Doutor, explica para os nossos ouvintes o que é e como se desenvolve o aneurisma cerebral.

Dr. Igor Maldonado – Olga, o aneurisma cerebral como você disse, é uma dilatação na parede da artéria. Por conta desta fragilidade, a artéria fica adelgaçada, mais fina e, portanto, menos resistente ao fluxo sanguíneo. Isso pode ser um problema, porque se essa dilatação for muito grande ela pode comprimir estruturas nervosas ao redor e como a parede arterial se torna mais fina, ela pode se romper levando ao sangramento no interior do crânio.

Olga Goulart – Os aneurismas, doutor, eles podem ocorrer em outra parte? Qual que é a diferença dele para os presentes no cérebro?

Dr. Igor Maldonado – A grande diferença dos aneurismas na circulação periférica em relação aos aneurismas cerebrais é a forma. Os aneurismas cerebrais eles costumam, não são todos, mas eles costumam ser saculares, enquanto que muitos dos aneurismas periféricos são aneurismas fusiformes. Isso tem implicações importantes do ponto de vista terapêutico, porque o aneurisma sacular pode ser excluído da circulação cerebral através de algumas técnicas cirúrgicas ou endovasculares, quer dizer através de cateterismo, de forma com que a gente faça com que o sangue não entre mais dentro daquele ‘saquinho’ que é o aneurisma e assim a gente consegue proteger o paciente contra essa eventual hemorragia intracraniana que pode ser muito perigosa.

Olga Goulart – Os aneurismas que não se romperam, podem apresentar algum tipo de sintoma? Como é que nós devemos reconhecê-los?

Dr. Igor Maldonado – Olha, os aneurismas que não se romperam podem causar sintomas se eles forem muito grandes ou se eles estiverem próximo a alguma estrutura cerebral muito funcional e por comprimirem estas estruturas eles podem trazer alguma sintomatologia específica. Então, assim, aneurismas grandes podem causar dor de cabeça, apesar de que isso é uma coisa absolutamente inespecífica, não é? A pessoa pode ter dor de cabeça por mil outras razões. E eles podem apertar, comprimir, esmagar nervos no interior do crânio. 

Tem uma situação muito específica que a gente conhece, chamado nervo oculomotor, tem um tipo de aneurisma específico que comprime esse nervo e faz com que a pálpebra caia, o olho desvie o olhar. Enfim, sintomatologias do aneurisma não roto, que nunca sangrou são possíveis, mas não são muito comuns, são coisas bem específicas, não é a forma de manifestação mais frequente. Infelizmente, a grande maioria desses aneurismas não rotos é assintomática, quer dizer, o paciente tem o aneurisma e não sabe que tem e não se dá conta, porque ele se comporta como um inimigo silencioso e todos ou a maioria dos sintomas aparecerão de uma hora para outra no momento da ruptura.

Olga Goulart – E como diferenciar uma crise de enxaqueca, por exemplo, de pressão alta com a dor de um aneurisma rompido?

Dr. Igor Maldonado – Existem alguns sinais de alerta que nos orientam. Uma característica bem importante é o caráter súbito da dor. Uma crise de enxaqueca, chamada de cefaleias primárias, quer dizer, dores de cabeça comuns, que não tem causa orgânica específica, são dores de cabeça que começam devagarzinho, vão aumentando, muitas vezes é pulsátil, a pessoa já teve antes, tem uma aura, tem alguma coisinha que avisa para a pessoa “olha, vou ter uma crise de dor de cabeça”, que é uma alteraçãozinha visual ou uma alteração estomacal e por aí vai. Uma rotura de aneurisma com hemorragia dentro do crânio, frequentemente é uma coisa bem abrupta, bem intensa, de uma hora para a outra. É comum, por exemplo, a pessoa relatar “poxa doutor, tive a maior dor de cabeça da minha vida e ela foi em 2 segundos de zero a dez”. Isso é preocupante, essa é a dor de cabeça que merece uma atenção médica imediata na emergência. Ela é intensa e é súbita, a progressão é muito rápida, sobretudo se ela for inédita, se a pessoa disser “olha, nunca tive uma dor assim, ela é completamente diferente das dorzinhas de cabeça que eu tinha antes”. Essa dor aí ela não pode esperar para que o indivíduo marque uma consulta com o seu médico generalista, com o seu neurologista para ver na semana que vem. Não, ele tem que investigar ela agora, hoje, tem que ir para a emergência.

Outras coisas que podem acontecer que nos direcionam são vômitos e sintomas neurológicos que não existiam antes. Então se o indivíduo tem cefaleia, dor de cabeça súbita e intensa e começa a vomitar, sobretudo se começa a vomitar e fica excessivamente sonolento, o somatório desses fatores aumenta a probabilidade de a gente estar diante de uma hemorragia e mais ainda se aparecer um sintoma neurológico focal, quer dizer, uma parte do corpo por exemplo, cefaleia súbita, vomito, sonolência e uma paralisia de um lado do corpo, ou de um braço, ou de uma perna ou de um lado do rosto, por exemplo. Então esses são os principais sinais de alerta, eles não são 100% específicos, não quer dizer que se a pessoa teve dor com essas características é com certeza uma hemorragia, mas significa que é uma dor de cabeça que não é comum e que merece atenção imediata.

Olga Goulart – Esse problema pode atingir qualquer pessoa? Existem casos entre as pessoas mais jovens?

Dr. Igor Maldonado – Existem alguns grupos de risco. Em tese, pode acometer pessoas de diferentes idades e diferentes etnias, mas a gente sabe que é mais comum em grandes fumantes, em grandes hipertensos e em algumas situações clínicas que não são tão frequentes assim, por exemplo a coarctação da aorta e a doença dos rins policísticos.

Olga Goulart – Ok. Você já citou aí alguns fatores. Agora, quais são efetivamente os fatores de risco para o surgimento de um aneurisma cerebral. Quem tem parente, por exemplo, com a patologia, tem mais chances de desenvolver a doença?

Dr. Igor Maldonado – Além desses fatores, existe um pequeno componente familiar, mas não hereditário. Não se pode afirmar hoje que se o meu pai teve aneurisma eu terei aneurisma, não existe essa relação direta. O que a estatística mostra é que se eu tenho dois ou mais parentes do primeiro grau com história de hemorragia intracraniana ou aneurisma cerebral, o meu risco é superior ao da população geral. Então nessa situação se recomenda triagem com exames não invasivos, se recomenda, mas não quer dizer de forma nenhuma que exista uma relação direta de obrigatoriedade ou de hereditariedade.

Olga Goulart – Doutor Igor, quais são os exames que detectam um aneurisma cerebral, existe rotina para realizar esses exames, qual que é a importância deste diagnóstico precoce?

Dr. Igor Maldonado – São exames que permitem que o médico radiologista e o médico neurologista ou neurocirurgião visualizem a árvore vascular intracraniana, quer dizer, ver as artérias dentro do crânio. Hoje a gente trabalha basicamente com três exames: a angiotomografia do crânio, a angiorressonância do crânio e a angiografia cerebral. São exames diferentes. A angiotomografia é um exame relativamente rápido, relativamente simples, que requer a injeção de produto de contraste iodado. Então a gente sabe que algumas pessoas têm reação alérgica ao produto de contraste e a gente leva isso em consideração na hora de escolher o tipo de exame. Tomografia também é um exame que usa raio-X.

A ressonância magnética pode dar o diagnóstico, mas ela não usa raio-X e pode ou não precisar de produto de contraste, é um produto de contraste de outro tipo, não é aquele que contém iodo.

A angiografia cerebral é um exame bem mais invasivo, pode ser muito mais preciso em algumas situações, mas é um exame que requer punção de uma artéria, geralmente na virilha, uma permanência maior no hospital para injeção do produto de contraste iodado mais uma vez dentro da artéria.

Então são esses três exames. A gente escolhe em função do perfil do paciente e o médico do paciente que é a pessoa mais indicada para dizer qual seria o melhor exame para aquela situação específica. Nas situações de triagem de uma forma geral, triagem é apenas para saber se tem porque alguém na família teve. A gente costuma usar modalidades não invasivas, isso quer dizer ou a tomografia ou a ressonância. 

A importância de se saber se indivíduo tem um aneurisma cerebral antes dele romper é a seguinte: nós podemos nos debruçar sobre o problema e discutir sobre um eventual tratamento antes que a hemorragia intracraniana aconteça. Isso significaria, se o médico e o paciente concordarem, excluir aquele aneurisma da circulação precocemente através de embolização ou cirurgia, evitando que o sangue entre no aneurisma e diminuindo muito o risco de ele vir a ter uma hemorragia no futuro. Evidentemente esse tipo de discussão nunca acontecerá se a pessoa não souber que tem um aneurisma cerebral. 

Olga Goulart – Os aneurismas cerebrais podem ser prevenidos?

Dr. Igor Maldonado – Os aneurismas cerebrais são multifatoriais. Podemos dizer que o risco de ocorrência de progressão pode ser reduzido com um estilo de vida saudável, evitando o hábito de fumar, controlando a pressão arterial e acompanhando, fazendo a triagem de pacientes que pertencem aqueles grupos de risco que eu citei. Isso não significa que o controle desses fatores elimine completamente o risco. É uma doença que pode acometer indivíduos perfeitamente saudáveis, que sempre fizeram tudo direitinho, que não fumam, que não tem nenhuma outra doença. Então existe um caráter, vamos dizer, um pouco errático, um pouco aleatório para o aneurisma cerebral. Nós podemos prevenir em parte, nos cuidar, reduzir o risco, mas infelizmente a gente não tem hoje uma forma de reduzir esse risco a zero. Se a gente fizesse, digamos, uma triagem para a população inteira, fizéssemos exames na população inteira, seguramente a gente encontraria muitos aneurismas cerebrais em pessoas que nunca sentiram nada e que são saudáveis fora disso.

Olga Goulart – Bom, doutor, pessoas que já tem o problema, já tem detectado um aneurisma, certamente é exigido alguns cuidados, tem alguma restrição, por exemplo, a atividade física?

Dr. Igor Maldonado – De uma forma geral, a gente recomenda para um indivíduo que tem o aneurisma com risco de sangramento, que evite atividades físicas extenuantes e aquelas que possam levar a picos hipertensivos. A gente sabe que os grandes esforços físicos e os grandes picos de pressão são fatores precipitantes de hemorragia aneurismática. 

Outra situação de risco que deve, inclusive, ser levada em consideração na hora de se decidir por um tratamento, é a utilização de anticoagulantes e antiplaquetários. Isso não significa necessariamente que a pessoa que tome um remédio desse sangre de um aneurisma, não é isso, mas imagine que uma pessoa que tem aneurisma sangre e está usando um desses remédios, o potencial de gravidade desse sangramento é maior do que em uma pessoa que tem a coagulação do sangue normal. Então sempre que a gente tem uma dessas situações, pessoas muito hipertensas ou que precisa de anticoagulante, a gente coloca isso na balança na hora de decidir se vamos tratar esse aneurisma ou não.

Olga Goulart – E quais são as demais opções de tratamento para um aneurisma cerebral.

Dr. Igor Maldonado – Olha, nós temos basicamente três caminhos a seguir: o primeiro é o tratamento cirúrgico, uma craniotomia, uma cirurgia a céu aberto, anestesia geral. Se fecha o aneurisma através de uma pequena prótese que é colocada que é um clipe metálico que impede que o sangue entre por aquele saquinho do aneurisma e o sangue não entrando no aneurisma isso vai evitar o sangramento.

A segunda modalidade de tratamento é a embolização. É um tratamento por cateterismo. É também um procedimento grande sob anestesia geral. Não é porque não abre a cabeça, porque não abre o crânio, que não vai existir risco. Existem riscos também, mas funciona de uma forma completamente diferente. O aneurisma é preenchido por dentro, vamos dizer assim, a gente entope ali aquele lugar, o sangue não consegue circular dentro do aneurisma e então protege a pessoa contra o sangramento também.

Ainda dentro da esfera das embolizações, existem novas modalidades, existem próteses novas, chamadas diversores de fluxo, que são próteses que são implantadas dentro da artéria e diminuem e impedem praticamente o fluxo de sangue de entrar dentro do aneurisma, sem precisar colocar coisas dentro dele e isso também tem tido bons resultados.

Bom, então temos a cirurgia, a embolização e a terceira modalidade é o chamado tratamento conservador. O quê que é isso? A gente identifica que uma pessoa que tem um aneurisma que nunca deu sintoma, é um aneurisma pequeno, que tem uma determinada forma, tem uma determinada localização e etc., determinados critérios que a gente segue, alguns aneurismas podem ser acompanhados do ponto de vista clínico e do ponto de vista radiológico. Isso significa que nós faríamos uma mudança de estilo de vida e do nível de atenção do paciente para que ele tome medidas preventivas e periodicamente nós examinaríamos esse paciente e faríamos exames. Se o aneurisma permanecer no mesmo tamanho, na mesma forma e não tiver nenhuma mudança, podemos continuar acompanhando e eventualmente até afastar as visitas. Se houver qualquer modificação de tamanho, de forma e de volume, a gente pode então tomar uma atitude e tratar aquele aneurisma preventivamente. Esse acompanhamento é chamado de tratamento conservador. Então nós temos essas três modalidades hoje em dia por cirurgia, por cateterismo que é a embolização ou o tratamento conservador.

Olga Goulart – Bom doutor, diante de uma pessoa que possivelmente possa estar passando pela situação, embora não haja uma certeza absoluta, mas sintomas que sugiram um rompimento de um aneurisma, o quê que nós devemos fazer?

Dr. Igor Maldonado – Essa é uma situação, como eu comentei, que merece uma atenção médica imediata. Essa pessoa ela deve se dirigir a um serviço de urgência e emergência, se ela não tiver condições de se dirigir a um serviço ela deve ser levada pelos seus familiares. Uma coisa que inclusive acontece com alguma frequência, que o nível de consciência se compromete no momento da rotura do aneurisma, então isso requer um pouco de pressa, porque as vezes a pessoa fica extremamente sonolenta, vomita, pode engasgar com o próprio vômito. Então a gente precisa garantir que a respiração aconteça com tranquilidade. Essa pessoa precisa de um hospital, mesmo que ela não esteja sonolenta, existe um risco de agravação, então ela precisa ir para o hospital. Neste hospital a gente vai então investigar rapidamente se existe ou não se existe hemorragia, se realmente a manifestação clínica foi sugestiva cefaleia súbita com vômito. Geralmente o que se faz é uma tomografia do crânio de primeira intenção, num primeiro momento sem contraste, as vezes até a gente costuma injetar depois, mas normalmente o fluxo é esse, atendimento médico assim que possível num serviço de urgência e uma tomografia e geralmente esse fluxo costuma dar essa resposta no mesmo dia se existiu ou não existiu hemorragia ali ao redor do cérebro. Se existiu hemorragia a gente vai passar para a etapa seguinte para ver se existe aneurisma ou não.

Olga Goulart – Então é crucial um atendimento rápido para que vocês consigam reverter esse processo de sangramento.

Dr. Igor Maldonado – Isso é verdade. Isso é crucial. Não só para a segurança da pessoa naquele momento, mas esse tempo, essa janela de tempo, ela tem implicações sobre o prognóstico no futuro. Então a gente sabe que os resultados são muito melhores quando os aneurismas (rotos) são tratados ou embolizados nos primeiros dias depois do sangramento, no primeiro dia ou no segundo dia o resultado é muito melhor, é uma cirurgia melhor, é uma embolização melhor, é um paciente que fica mais fácil de se manejar depois na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Aquele paciente que sangrou e que por alguma razão não foi levado até uma assistência médica porque estava muito longe ou porque não quis ir ou porque a família não levou, é uma outra evolução, ele tem um risco muito maior de complicações clínicas, inclusive com sequelas neurológicas quando ele é tratado dessa forma tardia.

Olga Goulart – Ok. Conversamos com o médico Igor Maldonado, especialista em neurocirurgia. Doutor, muito obrigada e até a próxima oportunidade aqui no Viva Mais Viva Melhor.