Nossas Entrevistas
Neurocirurgia
Tema: Neurocirurgia com o paciente acordado
Por Dr. Igor Maldonado
(071) 33... Ver mais >
- (071) 3351-8715
- Av Antonio Carlos Magalhaes, 585 Centro Médico Louis Pasteur Sl 109 Bloco B – Itaigara
- Outros contatos e endereços
Viva Mais Viva Melhor – Apesar de parecer cena de filme de ficção científica, hoje iremos falar sobre cirurgias cerebrais com o paciente acordado. Técnica moderna e capaz de reduzir o tempo de internação e de recuperação do paciente. O método, ainda pouco explorado no Brasil, permite ganhos tanto para o paciente quanto para a equipe médica, pois regiões do cérebro muito delicadas podem ser afetadas quando a operação é realizada com o paciente dormindo. Com o paciente acordado é possível operá-lo sem prejudicar a sua memória e funções motoras, minimizando sequelas posteriores. E para esclarecer algumas dúvidas sobre o assunto quem conversa conosco hoje é o doutor Igor Maldonado, especialista em neurocirurgia.
Doutor, primeiramente explica para os nossos ouvintes no caso de um tumor cerebral, por exemplo, quais os principais sintomas para que ele possa ser identificado?
Dr. Igor Maldonado – Os sinais e sintomas dos tumores cerebrais dependem muito da região onde eles se localizam. A gente entende hoje com um pouco mais de propriedade como que as funções estão distribuídas no cérebro, de forma que, a depender de onde a lesão esteja localizada, o indivíduo vai desenvolver uma deficiência motora, em um membro superior, em um membro inferior, um distúrbio de linguagem, uma deficiência de memória, uma alteração de comportamento, geralmente de forma progressiva. É importante dizer que estas alterações, muitas vezes apesar de sugestivas elas não são de forma nenhuma, alterações específicas para tumores cerebrais. Não é porque eu tenho algum tipo de paralisia ou algum distúrbio de memória, algum distúrbio de comportamento ou distúrbio de linguagem que eu tenho um tumor cerebral, não posso de forma nenhuma afirmar isso. Outra coisa importante é que por serem lesões que ocupam espaço dentro do crânio e o crânio por ser uma caixa inexpansível essas lesões aumentam a pressão no interior deste espaço e este aumento da pressão leva a dor de cabeça, muitas vezes a um estado de sonolência e a vômitos.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, qualquer pessoa pode realizar a cirurgia no cérebro acordada?
Dr. Igor Maldonado – Não é exatamente qualquer pessoa. Existem critérios para se indicar uma cirurgia de retirada de tumor cerebral com mapeamento em estado acordado. Um primeiro critério é em relação a necessidade. A gente usa o mapeamento cerebral com o paciente acordado para tumores localizados em áreas altamente funcionais, tumores que a gente deseja retirar o máximo de tumor preservando o máximo da função cerebral eloquente. Isso quer dizer que se o tumor é numa área cerebral que não é tão nobre assim pode ser mais seguro operar a pessoa sob anestesia geral. Mas se o tumor está localizado numa área extremamente nobre e extremamente eloquente a gente reduz o risco de sequela permanente fazendo com anestesia local e o paciente acordado. Uma outra coisa a ser levada em consideração é a elegibilidade anestésica neste tipo de procedimento. É uma anestesia diferente, uma anestesia especial e não é qualquer tipo de paciente que pode ser submetido a ela, por exemplo pacientes que são extremamente obesos não conseguem fazer esta cirurgia acordados para mapeamento cerebral.
Viva Mais Viva Melhor – Em que casos esta cirurgia é aplicada? Somente na retirada de tumores que têm como origem o câncer?
Dr. Igor Maldonado – Não. Tumores benignos também são excelentes indicações. Existe um grupo importante de tumores cerebrais chamados gliomas. Destes gliomas muitos são benignos, são tumores de crescimento lento e que uma parte deles tem a característica de infiltrar o tecido cerebral e coexistir com o tecido cerebral funcional. Isso quer dizer que existe um grupo de tumores, de neoplasias, que não são cânceres, são lesões tumorais não-cancerosas, mas que crescem dentro do crânio e infiltram o tecido e que estão ali dentro de um tecido que ainda funciona e isso se torna um desafio para o neurocirurgião identificar o quê que é tumor, o quê que é tecido, o quê que é tecido infiltrado, o que pode ser removido com segurança, o quê que sobretudo não deve ser removido para não comprometer demasiadamente a qualidade de vida do paciente. Então é neste contexto que entra o mapeamento cerebral.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, como é a aceitação do paciente quanto a esta técnica? Como é que ele reage ao saber que pode ser operado acordado?
Dr. Igor Maldonado – Antigamente existia uma certa surpresa, um certo susto e precisava de um treinamento um pouco mais longo para que a gente vencesse essa etapa de aceitação. Hoje em dia as coisas são muito mais fáceis, porque quando as pessoas se descobrem portadoras de um tumor cerebral em uma área eloquente elas mesmas buscam a informação. Hoje em dia a informação circula muito fácil, elas buscam na internet, elas ouvem falar. Então é muito comum que elas cheguem a um consultório, que elas cheguem a um ambulatório já tendo ouvido falar do mapeamento cerebral e da cirurgia acordado e isso torna as coisas muito fáceis.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, como é realizada a cirurgia cerebral com o paciente acordado?
Dr. Igor Maldonado – Bom, a gente fala cirurgia acordado, mas na verdade é uma cirurgia em três fases, esta é a técnica mais universalmente aceita. Ela começa com o indivíduo sob anestesia geral. Geralmente é uma anestesia um bocadinho diferente daquela que a gente faz habitualmente porque o indivíduo não é entubado, ele é anestesiado através de um dispositivo que a gente chama de máscara laríngea, quer dizer que ele respira com auxílio de aparelho, mas o tubinho não vai dentro da garganta, ele para nela. Então significa que não traumatiza tragicamente as cordas vocais.
Durante esta primeira etapa de anestesia que é uma anestesia geral a gente faz a craniotomia e nesta primeira etapa também é realizado um bloqueio de couro cabeludo. Quando a craniotomia é feita e o cérebro é exposto naquela região em que apresenta o tumor aí o indivíduo é acordado. Existe toda uma técnica anestésica para acordar o indivíduo com uma certa tranquilidade, sem nenhuma afobação. Para isso o paciente foi treinado previamente, ele sabe quem ele vai encontrar quando acordar, em que posição ele vai estar, qual que é a tarefa, qual que é a participação dele nesta etapa de mapeamento. Então ele acorda e não sente dor, porque foi feito o bloqueio de couro cabeludo. O corte do osso já foi feito e isso não dói. A manipulação do cérebro em si por incrível que possa parecer isso também não dói. Então o indivíduo está ali deitadinho com a cabeça fixa, tudo esterilizado, o cérebro exposto, ele não tem como ver nada disso, ele não sente e isso não dói. Aí começa a etapa de mapeamento cerebral que é realizado através de um aparelho próprio que é um eletrodo, um estimulador cortical que permite à equipe cirúrgica identificar com relativa precisão onde estão as áreas funcionais do cérebro, qual que é a área exatamente que está responsável pela movimentação da mão do outro lado do corpo, dos dedos, do antebraço, do braço, sensibilidade, linguagem, cálculo. Só que este mapeamento para ser preciso, a gente precisa por uma série de razões técnicas, a gente precisa da colaboração do paciente. Por isso que esta é a etapa que dura uns 30 a 40 minutos ela precisa do paciente acordado. Terminou o mapeamento, terminou pelo menos a maior parte da retirada do tumor, o paciente pode dormir de novo. Aí o colega anestesiologista faz uma nova anestesia geral, desta vez pode ser com intubação e a cirurgia termina.
Na verdade, são 3 fases, não é a cirurgia toda acordado. Os americanos chamam isso de 3A (asleep-awake-asleep) que significa dormindo, acordado e dormindo novamente. Então o paciente acorda durante a cirurgia apenas no momento em que ele é necessário e ele foi treinado para isso e isso melhora muito, mas muito o prognóstico funcional e diminui muito o risco de sequela se ele for portador de um tumor intracerebral próximo de uma área funcional.
Viva Mais Viva Melhor – Daí a importância de se manter o paciente acordado durante a neurocirurgia, não é?
Dr. Igor Maldonado – Exatamente. Isso dá ao próprio paciente uma segurança maior. Porque imagine que no final do tempo acordado praticamente todo o tumor já foi retirado e o paciente neste momento ele se vê falando, mexendo dos dois lados do corpo, plenamente consciente. Então ele tem a tranquilidade de que ele está bem.
Viva Mais Viva Melhor – E o paciente não sente nenhum desconforto ou dor durante o procedimento?
Dr. Igor Maldonado – Na grande maioria das vezes não, Olga. Pode acontecer quando o procedimento é um pouquinho mais longo, “olha, incomoda aqui um pouquinho”, a mesa ou a posição, mas nada que a gente não possa resolver no momento. Não existe nenhum desconforto do ponto de vista “ah, o corte está doendo, é a craniotomia, manipulação”, deste ponto de vista não.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, quais as vantagens em se realizar a cirurgia cerebral com o paciente acordado?
Dr. Igor Maldonado – Olga, a principal vantagem e remover o máximo de tumor com o mínimo de sequela neurológica permanente. É isso que a gente quer do ponto de vista oncológico. Quando a pessoa tem um tumor dentro do cérebro ela quer se ver livre dele, mas ela não quer viver com uma sequela para o resto da vida. Só que há tumores que são difíceis de se ver a olho nu. Então o mapeamento cerebral é um dos utensílios que a gente usa para nos dirigir na cirurgia. A gente vê melhor onde estão as áreas funcionais e a gente sabe qual é o nosso limite funcional. Então a gente sabe, por exemplo: “olha gente, eu vou tirando o tumor, mas aquele local ali eu não posso ultrapassar, senão eu vou tirar o tumor, mas aquele indivíduo vai ter um comprometimento funcional em termos de qualidade de vida que não vai ser reversível”. Agora vamos imaginar esta cirurgia igual com a anestesia geral, duas coisas poderiam acontecer, ou a equipe cirúrgica no ímpeto de se fazer uma cirurgia oncologicamente perfeita, vamos dizer assim, remover o máximo de tumor, invadir a área funcional e ter finalmente o paciente com uma sequela maior ou no ímpeto de não deixar uma sequela maior deixar um resíduo maior de tumor, entente? As duas coisas são possíveis. Com o mapeamento cerebral a gente se dirige um pouco mais próximo do que seria assim um limite funcional perfeito.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, considerando tudo o que o senhor acabou de explicar, ainda assim pode haver qualquer tipo de complicação durante a neurocirurgia com o paciente acordado?
Dr. Igor Maldonado – Não existe procedimento cirúrgico sem complicação, em nenhum porte e em nenhuma especialidade. No mapeamento cerebral o mais comum que a gente observa e isso a gente costuma orientar o paciente é uma deficiência neurológica transitória que se segue alguns dias após o procedimento. Isso é natural pela manipulação da área funcional cerebral e isso é visto como um sinal de que nós chegamos ao limite da área funcional. Por exemplo, um indivíduo tem um tumorzinho que está adjacente, colado ao córtex motor. O cirurgião vai lá e remove aquele tumor. Ele acorda bem e no dia seguinte ele sente o braço um pouco preguiçozinho, fica um pouquinho preguiçoso, um pouquinho molinho e daí em uns 3 a 4 dias ele começa a recuperar. Esta pequena deficiência transitória geralmente se deve a um inchaço local, é um edema cerebral transitório devido ao fato de que aquela área cerebral funcional foi manipulada e isso é um sinal de que o cirurgião foi até a área altamente funcional, quer dizer, ele tirou o máximo de tumor possível.
Viva Mais Viva Melhor – Doutor, após a cirurgia, em quanto tempo aproximadamente o paciente pode voltar a realizar as suas atividades cotidianas?
Dr. Igor Maldonado – Isso depende muito da área e do tipo de tumor. Este tipo de cirurgia a indicação mais clássica hoje tem sido para os gliomas de baixo grau, como eu comentei, que são tumores intracerebrais. A gente pode colocar a coisa em torno de um mês.
Viva Mais Viva Melhor – Para finalizar, doutor, é um tratamento muito caro? É possível realizar dentro dos planos de saúde, ou mesmo através do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Dr. Igor Maldonado – Dentro do sistema de planos de saúde é possível, a gente tem conseguido autorizar e as operadoras de saúde tem autorizado, as vezes é preciso se justificar para o operador de saúde, mas se consegue. Dentro do Sistema Único de Saúde no estado da Bahia é uma coisa que nós estamos querendo implantar, a gente tem muita vontade de implantar, mas ainda não foi possível.
Viva Mais Viva Melhor – Conversamos com o doutor Igor Maldonado, especialista em neurocirurgia. Doutor, muito obrigada e até a próxima.