Nossas Entrevistas
Hepatologia
Tema: Hepatite C
Por Dr. André Lyra
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Olga Goulart – Doença silenciosa que afeta o fígado, a hepatite C é causada pelo vírus VHC, transmitido de muitas formas, como por exemplo através da transfusão de sangue, por via sexual, compartilhamento de seringas, instrumentos para manicure ou tatuagem, entre outras. A evolução da patologia costuma ser lenta e o diagnóstico muitas vezes tardio. Mas essa é uma das poucas enfermidades crônicas que pode ser curada.
Quem conversa conosco é o médico especialista em gastroenterologia e hepatologia, o doutor André Lyra, que vai esclarecer sobre o assunto. Doutor, vamos começar com a definição da hepatite C, o que é a hepatite C e como ela pode ser adquirida?
Dr. André Lyra – A hepatite C é causada por um vírus que tem tropismo, ou seja, atração pelas células do fígado. Nesta célula ele vai se replicar, vai utilizar o maquinário e estrutura do órgão e com o tempo vai passar a danificar ao longo de vários anos o fígado. Existem vários tipos de hepatites por vírus hepatotrópicos, 5 na verdade, do vírus A ao vírus E. Entretanto, somente o vírus B, C e D foram evoluídos de forma crônica. Todos na hepatite aguda, mas só esses evoluem de forma crônica e o C atualmente é sem dúvida o mais importante em termos de epidemiologia, portanto o mais prevalente em termos de provocar a doença crônica aqui no nosso meio.
Olga Goulart – Certo. E qual é o tipo de contaminação mais frequente da hepatite C nos dias atuais. Em qualquer exposição ao sangue, por exemplo, o indivíduo pode se contaminar?
Dr. André Lyra – Na verdade, a hepatite C foi muito difundida, muito transmitida através de transfusão de sangue antes de 1992. O vírus foi descoberto em 1989 e a partir de 1992 os testes para sua detecção se tornaram mais precisos. Então a partir daí a transmissão começou a cair, mas quem recebeu sangue antes disso tem chance de ter adquirido o vírus. Atualmente os testes são muito eficazes e é excepcional o indivíduo adquirir hepatite C por transfusão sangue ou seus hemoderivados, mas compartilhar material contaminado com agulhas, por exemplo, isso sim é atualmente é uma forma pouco comum, porque poucas pessoas fazem isso, mas é uma forma que pode acontecer e pode provocar hepatite C. Através de materiais médicos também é descrito na literatura médica, mas atualmente os materiais são habitualmente bastante esterilizados e isso é difícil ocorrer.
Olga Goulart – A secreção de uma pessoa infectada pode transmitir a hepatite C apenas pelo contato na pele ou precisa ter uma porta de entrada, ou seja, uma feridinha?
Dr. André Lyra – Não, seria necessário ter uma ferida e normalmente é através do sangue, o sangue entrando em contato com a pele ou mucosa ferida.
Olga Goulart – Certo. Como é que a gente diferencia a hepatite C das demais hepatites?
Dr. André Lyra – A hepatite A e a hepatite E são vírus que são transmitidos pelo contato com água, contato do aperto de mão, chamado de transmissão fecal oral, alimentos contaminados. A hepatite B é uma doença sexualmente transmissível, ou seja, ela é frequentemente transmitida pelo sexo, além de ser transmitida também pelo contato sanguíneo. A hepatite C por sua vez é uma doença que é transmitida, como eu falei, por sangue e agulhas contaminadas de forma parenteral, pode ocorrer por transmissão sexual, mas essa transmissão é pouco frequente, não é tão comum quanto a hepatite B. E a hepatite C ela caracteristicamente é uma doença de curso silencioso. Então o indivíduo ao adquirir o vírus, a maioria vai continuar com o vírus e a doença se prolonga por vários anos. Na verdade, a maioria dos indivíduos não vai ter uma doença grave, somente 10 a 20% evoluem para cirrose ao longo de 20 anos. Mas a prevalência da hepatite C é significativa, 1,5% da população brasileira, ou seja, 3 a 4 milhões de pessoas. Então 10 a 20% disso é uma quantidade significativa, então muita gente tem ainda cirrose por hepatite C por este motivo. Embora quando a gente avalia o geral, a minoria destes indivíduos que desenvolvem cirrose.
Olga Goulart – Doutor, qual que é a importância de esterilizar os instrumentos de manicure ou mesmo do tatuador?
Dr. André Lyra – Olha, tem que se utilizar material esterilizado, preferencialmente até descartável, o correto é material descartável. Então você fizer um procedimento que tenha inoculação de uma agulha ou um material que é perfurocortante de um indivíduo para o outro sem uma esterilização adequada, sem dúvida é uma forma de transmissão para a hepatite C e isso embora seja menos frequente, é descrito, as pessoas então devem evitar o compartilhamento de material de manicure, tatuagem, tem que ser com material próprio ou com material esterilizado ou descartável preferencialmente.
Olga Goulart – O esmalte, bem como as tintas de tatuagens que não são esterilizáveis podem conter ou transmitir o vírus?
Dr. André Lyra – Isso seria algo fora do habitual, não é o esperado que ocorra. Entretanto, de qualquer forma como eu mencionei, a gente sempre recomenda que se utilize material próprio e preferencialmente material descartável.
Olga Goulart – Transfusão de sangue pode transmitir a hepatite C, não é?
Dr. André Lyra – Como eu mencionei, antes de 1992. Atualmente a transfusão de sangue transmitir seria algo excepcional, as bolsas hoje em dia, os bancos de sangue, pelo menos nos centros onde se fazem os métodos de forma adequada, que deveriam se fazer em todos porque isso é lei, as bolsas são bem triadas, com testes bem precisos, de forma que seria algo excepcional uma transmissão nesta situação nos tempos atuais.
Olga Goulart – Então atualmente com todos os cuidados é quase nula a chance de adquirir hepatite C através da transfusão de sangue, ok?
Dr. André Lyra – Sem dúvida é quase nula.
Olga Goulart – Bom, quais são os exames que detectam o vírus da hepatite C, eles devem ser feitos de rotina?
Dr. André Lyra – Todo o paciente que recebeu sangue antes de 1992 deveria fazer o anti-HCV que é o exame de triagem, que na verdade, é uma recomendação da Sociedade Brasileira de Fígado e da americana também, que indivíduos que nasceram até 1970, idealmente devem ser submetidos ao teste de triagem para o anti-HCV. Porque é o período que existe a maior prevalência da hepatite C, até em indivíduos que nasceram até o período de 1970.
Olga Goulart – Muitas pessoas associam a cirrose ao consumo excessivo de bebida alcoólica, a hepatite C também provoca cirrose, certo? Quais são as complicações dessa doença?
Dr. André Lyra – Correto. Então assim, uma vez que o indivíduo tenha hepatite C a maioria vai ficar com o vírus, 80% ao ter contato com o vírus vão ter ele cronicamente, dos que ficam cronicamente 10 a 20% vão evoluir para cirrose ao longo de 20 anos. Estes 10 a 20% que evoluem para cirrose podem inicialmente ter uma cirrose compensada, mas caso o vírus não seja tratado e ele continue a agredir o fígado, essa cirrose passa a ser com o tempo, com o passar dos anos passa a ser uma cirrose descompensada, ou seja, o fígado passa a deixar de funcionar adequadamente e com isso traz as consequências clínicas. Os sintomas que podem ocorrer nesta fase avançada apenas, porque na fase inicial ele é assintomático, como nós já conversamos, mas nesta fase mais avançada o indivíduo pode ter edema, quer dizer inchado nas pernas, pode ter água na barriga, a barriga aumenta de volume por água que se acumula dentro da cavidade abdominal, o olho pode ficar amarelo que é a chamada icterícia, a palma das mãos as vezes tem uma característica peculiar de uma vermelhidão, algumas manchas vermelhas específicas, não é qualquer mancha não, manchas específicas surgem no tórax.
Olga Goulart – Quando o paciente descobre o vírus da hepatite C, doutor, é importante começar logo o tratamento?
Dr. André Lyra – Quando ele descobre o vírus da hepatite C é importante ele ser avaliado pelo hepatologista para se fazer um estadiamento da doença, para definir que grau de lesão o vírus provocou no indivíduo. Então na verdade, quando a doença está na forma leve, com um grau de lesão baixo, o tratamento pode ser feito ou não. O governo brasileiro não libera o tratamento nestes quadros mais leves. O indivíduo que tenha a forma moderada, a forma mais grave da doença sem dúvida alguma tem que iniciar o tratamento o mais breve possível para evitar que a agressão continue e possa piorar o fígado com o passar do tempo.
Olga Goulart – Certo. E como é que é feito o tratamento da hepatite C? É um tratamento caro? Existem opções gratuitas?
Dr. André Lyra – Até recentemente o tratamento era feito com a utilização de uma droga, que era a droga principal chamada de Interferon Peguilado e associado a outras drogas orais que provocavam efeitos colaterais muito intensos e a eficácia desse tratamento era a eficácia de baixa a intermediária. Recentemente, há poucos meses, o Governo Brasileiro disponibilizou através do SUS uma combinação terapêutica que é utilizada há pelo menos 1 ano nos países de primeiro mundo com drogas orais muito mais eficazes do que este tratamento prévio que eu falei que tinha efeitos colaterais e o tratamento atual com essas drogas orais também os efeitos colaterais são muito poucos e habitualmente não são clinicamente tão relevantes. Então sim, o tratamento existe, é muito caro o tratamento e é disponibilizado para o SUS, mas para o tratamento existem regras, como eu mencionei antes, o governo só libera para os pacientes que preenchem os critérios de doença moderada a grave ou que tem outras particularidades, por exemplo, transplantado de fígado, transplantado de rim, dentre outras.
Olga Goulart – Existe vacina já contra a hepatite C, doutor?
Dr. André Lyra – Infelizmente não existe. O vírus C tem uma alta taxa de mutação do seu código genético, então ele está constantemente mudando e por isso não foi possível desenvolver vacina. Agora é válido lembrar que existe vacina para o vírus B da hepatite e para o vírus A e as pessoas podem adquirir esta vacina.
Olga Goulart – Ok. E em termos de prevenção, como que se previne a hepatite C?
Dr. André Lyra – A prevenção da hepatite C se dá basicamente evitando-se utilizar qualquer tipo de material perfurocortante de forma compartilhada com outra pessoa. Então qualquer material perfurocortante tem que ser um material esterilizado preferencialmente e descartável também, é o ideal. E os outros métodos preventivos são feitos, como eu já mencionei, a partir da triagem da bolsa de sangue. A transmissão sexual embora seja rara, é lógico que as vezes pode ocorrer, então promiscuidade sexual é algo que deve ser evitado e no caso, teria que se utilizar preservativo preferencialmente.
Olga Goulart – Ok. Conversamos com o doutor André Lyra, médico especialista em gastroenterologia e hepatologia. Doutor, muito obrigada e até a próxima oportunidade aqui no Viva Mais Viva Melhor.