Nossas Entrevistas

Ginecologia e Obstetrícia

Tema: Aborto Espontâneo

Por Dr. Manoel Sarno

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Olga Goulart – O abordo espontâneo é uma fatalidade que acontece de 15 a 25% das mulheres que engravidam e, apesar de ser considerado comum nas gestações iniciais, merece avaliação. O problema é maior quando ocorrem duas ou mais perdas consecutivas, o chamado aborto de repetição, que atinge 2 a 5% das mulheres em idade fértil. Nesses casos indicam-se avaliação criteriosa do casal, bem como o tratamento médico específico e, muitas vezes, um acompanhamento psicológico. Diversos trabalhos científicos e pesquisadores vêm mostrando a importância das alterações de caráter imunológico na gênese dos abortos de repetição. Para falar melhor sobre o assunto, convidamos hoje o médico doutor Manoel Sarno, ginecologista e especialista em medicina fetal.

Doutor, vamos explicar para os nossos ouvintes, para os internautas, o que é o aborto e a sua ocorrência se sempre precisa ser investigada.

Dr. Manoel Sarno – Bom Olga, o aborto isolado ou aborto que não se repete pode atingir até 40% dos casais em vida reprodutiva e isso é um dado que não tem muita relevância. Normalmente nestas situações (cerca de 70 a 80% das vezes) você tem alterações genéticas no bebê em fases muito iniciais que justificam essas perdas e não há necessidade de investigação. Por outro lado, quando o casal tem duas perdas consecutivas já chama a atenção porque isso envolve cerca de 5% dos casais, ou seja, 95% das pessoas não vão apresentar episódios de 2 abortamentos consecutivos, 3 abortamentos isso gera mais ou menos em torno de 1 a 3% dos casais, se a gente imaginar este cenário de 3% em 5% a gente vai ter aí em torno de 65 a 70% a chance de um casal que aborta duas vezes espontaneamente ter o terceiro episódio de aborto, aí sim a gente deve parar um pouquinho para fazer a investigação. Quando é que a gente vai fazer a investigação apenas com uma perda gestacional? Se a perda for acima de 10 semanas e não houver nenhum indício de alteração anatômica ou genética no feto. Então nestas situações mesmo com uma perda com 12, 13 ou 15 semanas e um óbito fetal não identificado é interessante a gente investigar esta perda.

Olga Goulart – E porque algumas mulheres, doutor, apresentam um aborto de repetição? Quais são os principais fatores de risco e também as principais causas?

Dr. Manoel Sarno – Olha, a gente trabalha muito justamente com fatores de risco. É difícil a gente ter uma causa porque é um problema multifatorial. Eu sempre comparo com um infarto, a pessoa pode ser fumante, pode ser sedentária, pode ter colesterol alto, pode ser obesa e nunca ter infarto. A outra pessoa pode ser um jovem, atleta, não ter nenhum destes fatores de risco e acabar tendo um infarto. Abortamento de repetição é mais ou menos isso, a gente tem 8 categorias de possíveis fatores de risco, dentre eles os fatores hormonais, fatores imunológicos, fatores hematológicos como as trombofilias por exemplo, que é uma tendência em que a pessoa pode ter a formar coágulos no sangue e isso pode impedir o desenvolvimento do embrião e feto, fatores genéticos, fatores ambientais e inclusive a gente pode fazer essa investigação toda e no final a gente não encontrar uma causa e isso a gente chama de fatores idiopáticos. Na verdade, existe uma causa, nós é que não conseguimos identificá-las ainda, mas a ciência está evoluindo para isso.

Olga Goulart – E quem tem histórico familiar tem maior probabilidade de ter aborto de repetição?

Dr. Manoel Sarno – Existem alguns sinais, algumas características familiares que podem ser hereditárias, por exemplo a questão das trombofilias. Existem trombofilias que são hereditárias, os pais têm alguma mutação genética que é passada para a filha e a filha na gravidez ela pode ter alguma intercorrência, ou abortamento de repetição, ou óbito fetal, ou uma restrição de crescimento, pré-eclâmpsia, redução de líquido amniótico, trombose placentária, não é só a questão do abortamento, geralmente os casais que têm o abortamento de repetição também têm uma chance de ter outras complicações durante a gestação. Por exemplo, quando a gente acompanha um casal que tem duas ou 3 perdas em gravidez anteriores, mesmo que a gente passe daquela fase mais crítica que são as primeiras 12 semanas, essa gestação eu preciso acompanhar com um cuidado muito maior.

Olga Goulart – Bom, em termos gerais, doutor Manoel Sarno, quais seriam os avanços no diagnóstico e também no tratamento que a medicina tem trazido para os casais que sofrem abortos de repetição? Qual especialista, inclusive, deve ser procurado?

Dr. Manoel Sarno – Primeiro a mulher, a paciente, ela deve procurar antes de engravidar, isso é importante que se diga, o seu ginecologista. O seu ginecologista vai fazer os exames de triagem iniciais, pesquisa de infecções, pesquisa de genética com cariótipo, algumas pesquisas hormonais, um perfil glicêmico para identificar um diabetes, por exemplo, um problema na tireoide, não identificando nenhum destes problemas a gente pode fazer exames mais específicos e dentre eles a gente destaca esta questão imunológica para fazer o exame que se chama prova cruzada ou crossmatch do casal para identificar compatibilidade imunológica entre o casal e também exames mais avançados para pesquisa de trombofilia, tanto trombofilia adquirida, uma anticardiolipina e um anticoagulante lúpico, são dois exames semelhantes, mas diferentes e também outras mutações genéticas como Fator V de Leiden, a alteração da protrombina, então tem outros exames específicos.

Essa questão imunológica é interessante porque pode acontecer um excesso de compatibilidade entre o casal, na verdade não é uma incompatibilidade, é um excesso de compatibilidade. Então o casal tem algumas informações que a gente chama de sistema HLA, que é como se fosse a carteira de identidade das células dos glóbulos brancos e se há este compartilhamento pode não haver o reconhecimento imunológico da gestação e essa gravidez ser perdida por uma agressão imunológica da mãe em relação ao embrião. A gente tem um tratamento que é feito para fazer essa modulação imunológica fazendo um extrato dos glóbulos brancos do marido, aplicando na pele do antebraço da mulher antes dela engravidar e a gente faz a sensibilização de uma forma que o sistema imunológico vai reconhecer essas informações e não vai rejeitar o embrião. São técnicas mais avançadas, mais atuais de você tratar o problema, tem também outras medicações como a imunoglobulina também que é venosa e também pode ser utilizada, em alguns casos pode usar o corticoide, pode usar anticoagulantes também como a heparina, antiagregante plaquetário como a aspirina, pode usar a progesterona também para relaxamento do útero e ele também ter um papel imunológico. 

Então o tratamento tem que ser individualizado, não adianta a gente fazer uma receita de bolo e este tratamento vai servir para todos os casais. Cada casal é um caso, a gente vai ter que estudar mais aprofundadamente, mas a gente consegue reverter a situação em cerca de 85% das vezes. Então eu falei anteriormente que a gente tinha uma possibilidade de cerca de 60 a 70% de perder novamente quando o casal tem o histórico de perdas anteriores, mas fazendo o tratamento adequado a gente pode reverter essa situação e partir para 85% de sucesso e isso praticamente igual a um casal que não tem histórico de perda. Toda a gravidez tem um risco de 15 a 20% de evoluir para um abortamento espontâneo, então se eu devolver 85% de chance para este casal é como se eu estivesse devolvendo para esse casal a mesma capacidade reprodutiva de um outro casal que não tem nenhuma alteração deste tipo.

Olga Goulart – Bom doutor, sobre a imunologia da reprodução e sobre a aloimunização, o que exatamente estuda a imunologia da reprodução? 

Dr. Manoel Sarno – A gente estuda o perfil imunológico destes casais que têm perda gestacionais repetidas, que têm pré-eclâmpsia ou restrição de crescimento. Existem várias teorias inclusive para pré-eclâmpsia que são interessantes porque as mulheres que começaram a ter relacionamento sexual mais cedo e tiveram mais relações sexuais ao longo da vida e diferentes parceiros sexuais tem menos pré-eclâmpsia. Você sabia disso Olga?

Olga Goulart – Não, não sabia.

Dr. Manoel Sarno – Porque ela acaba desenvolvendo uma tolerância a estas substâncias que estão vinculadas ao espermatozoide. Ela é exposta a estes antígenos de HLA do espermatozoide e ela acaba produzindo uma resposta imunológica de tolerância a estas substâncias, então ela vai ter uma adaptação placentária mais adequada do que o outro grupo de mulheres. Você ter este compartilhamento entre o casal ou essa semelhança entre o casal, até pessoas que sejam parentes um do outro, essas alterações são mais frequentes justamente por causa do perfil imunológico. Então a imunologia da reprodução estuda os fatores imunológicos que podem estar influenciando tanto para falhas de ciclos de reprodução assistida, como a fertilização in vitro por exemplo, abortamento de repetição, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento e alterações placentárias. Então a gente reavalia este perfil imunológico e adota tratamentos específicos para cada grupo de pacientes.

Olga Goulart – E o que é a aloimunização, doutor?

Dr. Manoel Sarno – Aloimunização é justamente a autoimunização da pessoa contra ela mesma. Alo é de diferente, de indivíduos diferentes. Então o fator aloimune é o fator do casal. Então é exatamente essa falta de sensibilização ou falta de reconhecimento imunológico entre o casal que é o chamado fator aloimune.

Olga Goulart – E como é que diagnostica a aloimunização? Todas as gestantes precisam fazer o exame para diagnosticar essa condição?

Dr. Manoel Sarno – Não, de forma alguma. Apenas para aqueles casais que têm histórico de perdas gestacionais repetidas. A gente faz a partir deste exame que é o cross match, o cross match é a prova cruzada, mas existem outros exames, como a tipagem HLA ou dosagem de células NK ou atividades de células NK. Existem alguns exames, mas são exames específicos, não são todos laboratórios que fazem, mas a gente pode solicitar que o médico faça essa orientação ou em alguns centros especializados.

Olga Goulart – E após diagnosticado este problema, existe um tratamento para evitar que o feto tenha problema durante a gestação, doutor Sarno?

Dr. Manoel Sarno – Sim! Exatamente o tratamento que eu tinha comentado que a gente tira o sangue do marido, prepara no laboratório um concentrado de leucócitos paternos, esses glóbulos brancos, e a gente administra na paciente. Eu faço isso, uma série que muita gente chama de vacina ou vacina do marido que as próprias pacientes chamam e a gente faz isso em três oportunidades e depois repete essa prova cruzada, dependendo do resultado se for favorável a gente libera para nova tentativa de gravidez, isso é antes de engravidar.

Olga Goulart – E tem como prevenir a aloimunização?

Dr. Manoel Sarno – Não. É uma questão de combinações imunogenéticas, não tem como a gente evitar, tem como a gente reconhecer, tratar e resolver o problema.

Olga Goulart – Doutor Sarno, muito obrigada. Nós conversamos com o médico Manoel Sarno, ginecologista e especialista em medicina fetal. Muito obrigada e até a próxima oportunidade aqui no Portal Viva Mais Viva Melhor.