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Ginecologia e Obstetrícia

Mitos e Verdades – Endometriose

Por Dr. Alan Coutinho

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Olga Goulart – A endometriose é uma doença que acomete somente as mulheres. Uma em cada dez é acometida pela patologia. Seu sintoma principal é a dor pélvica, quase sempre associada ao ciclo menstrual. A endometriose é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a maior causa de infertilidade feminina. Para responder as principais dúvidas sobre o tema, na nossa série Mitos e Verdades, quem conversa conosco é o médico Alan Coutinho, especialista em ginecologia e obstetrícia.

Doutor, é mito ou é verdade afirmar que a endometriose não tem cura?

Dr. Alan Coutinho – Mito. Essa é uma afirmação que é mito, não é verdade. Porque existem dados na literatura médica que demonstram de cada 10 mulheres 3 com diagnóstico de endometriose tem evolução espontânea da doença sem ter realizado previamente nenhum tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Porém, na maioria dos casos, é uma doença de piora progressiva e evolução imprevisível, sendo que até o momento não sabemos como diferenciar quais as mulheres que irão evoluir com a dor pélvica ou as que desenvolverão a infertilidade.

Olga Goulart – A endometriose, doutor, é uma doença silenciosa que não apresenta muitos sintomas, isso é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Nem mito e nem verdade absoluta. A endometriose pode se apresentar de diferentes formas, a mulher pode não ter nenhum sintoma da doença e o diagnóstico ser dado de forma ocasional durante a realização de uma cirurgia pélvica, por exemplo, num parto cesariano ou durante uma histerectomia que é a retirada do útero. Já nas pacientes sintomáticas a queixa mais comum inicial é a cólica menstrual, os outros sintomas são reflexos da área envolvida pela doença, por exemplo, quando os ovários estão envolvidos e as tubas também, o principal sintoma é a infertilidade e quando a doença compromete os ligamentos uterinos a dor a penetração profunda é o sintoma mais comum.

Olga Goulart – Quando ouvimos dizer, doutor, que a endometriose é hereditária isso é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Isso é verdade. A probabilidade de uma mulher que tem um parente de primeiro grau a exemplo de irmã ou de mãe com endometriose de desenvolver a doença é de 8%, já em irmãs gêmeas idênticas a associação é de 75%. Essa observação de que não existe 100% de herdabilidade da endometriose nos leva a refletir que a nossa saúde é o resultado da interação da nossa genética, do meio ambiente, dos nossos hábitos e dos nossos pensamentos. Além disso, acredito que no futuro próximo com o avanço das pesquisas sobre a genética e a interação com o meio ambiente, poderemos finalmente determinar qual perfil genético de predisposição a endometriose que será de grande ajuda no estabelecimento do tratamento e do prognóstico reprodutivo das mulheres.

Olga Goulart – Mulheres que não têm cólica podem ter endometriose, isso é verdade ou é mito?

Dr. Alan Coutinho – Verdade. Existem mulheres que não têm nenhuma cólica e mesmo assim tem endometriose. Outro fato é que os sintomas de dor podem não ter correlação com a extinção e a severidade da doença. Mulheres sem nenhuma dor podem ter uma doença mais severa e mulheres com muita dor podem ter um acometimento mínimo. Já em algumas mulheres o único sintoma pode ser a incapacidade de engravidar. Além de que existem aquelas mulheres que não sentem cólicas, dores pélvicas e nem tem problemas para engravidar e são diagnosticadas de maneira casual, como por exemplo durante a realização de uma cesárea, onde a cavidade abdominal é aberta e o médico pode observar aderências ou lesões formadas pela endometriose.

Olga Goulart – Doutor, é mito ou é verdade dizer que a mulher que tem endometriose pode sentir fortes dores durante a relação sexual?

Dr. Alan Coutinho – Verdade. A endometriose pode penetrar os ligamentos uterinos, a vagina e o colo do útero. É como se a mulher tivesse uma ferida aberta que sangra e onde o pênis fica tocando nessa lesão residual causando uma experiência física e emocional desagradável, por isso a dor durante a relação pode levar a uma disfunção sexual e a incapacidade de participar do ato de forma satisfatória, fazendo com que as mulheres fiquem sexualmente insatisfeitas reclamando da falta de prazer e desinteresse sexual.

Olga Goulart – É verdade doutor que a falta de tratamento pode fazer com que a endometriose atinja outros órgãos ou isso é mito?

Dr. Alan Coutinho – Isso é verdade. A ausência de tratamento pode levar a uma progressão da doença com o comprometimento de outros órgãos e da capacidade reprodutiva. Além do tratamento é importante que a paciente realize um monitoramento com exames de imagem de 6 meses a 1 ano. Isso porque 15% das pacientes evoluem com aumento dos nódulos independente do tratamento hormonal e no caso de suspeita de aumento das lesões, o tratamento deve ser modificado ou a cirurgia pode ser considerada como uma alternativa.

Olga Goulart – Bom, você já falou de infertilidade, mas é verdade ou é mito afirmar que todas as mulheres com endometriose não têm chance de engravidar?

Dr. Alan Coutinho – Mito! Em média 35% das mulheres com infertilidade têm endometriose, sendo essa a principal causa de infertilidade. Porém, 60% das mulheres com endometriose não têm problemas de infertilidade, ou seja, a maioria consegue engravidar de forma espontânea. Contudo, de cada 10 mulheres com endometriose 4 necessitam de tratamento que pode ser medicamentoso, cirúrgico ou por técnicas de reprodução humana. O importante é que se tenha um diagnóstico rápido, com a classificação do grau de severidade da doença e que se realize o tratamento o mais precoce possível.

Olga Goulart – É verdade ou é mito, doutor, que a endometriose pode causar sequela, problemas no bebê, caso a mulher com a doença venha a engravidar?

Dr. Alan Coutinho – Mito. A endometriose não causa sequelas no bebê, de forma nenhuma. Porém, existe um maior risco da gestante vir desenvolver complicações na gravidez, como por exemplo o parto prematuro.

Olga Goulart – Certo. E é verdade afirmar que a mulher tem mais chances de perder o bebê ou ter uma gravidez de risco, doutor, isso é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Isso é verdade. As mulheres com endometriose podem ter uma probabilidade aumentada de se desenvolver complicações durante a gravidez. No início há um aumento na probabilidade de abortamento ou gravidez nas tubas uterinas e após as 24 semanas de gestação existe sim um maior risco de desenvolver complicações como dores pélvicas, sangramento e partos prematuros.

Olga Goulart – Doutor, a gravidez é uma das maneiras de tratar a endometriose, isso é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Isso é verdade. A endometriose é uma doença que depende da menstruação e durante a gravidez a mulher fica 9 meses sem menstruar e enquanto ela estiver amamentando de forma exclusiva ela também não menstrua. Outra observação importante é que durante a gravidez ela produz grandes quantidades de progesterona que é um hormônio com características anti-inflamatórias que inibe o desenvolvimento da endometriose durante o período de gravidez, portanto serve como tratamento.

Olga Goulart – A doença desaparece após a menopausa, isso é verdade ou é mito?

Dr. Alan Coutinho – Mito. A doença continua, mas os sintomas geralmente entram em regressão por dois motivos. Primeiro, a endometriose depende da menstruação e a principal característica da menopausa é a suspensão da hemorragia menstrual, por isso a endometriose costuma desaparecer após a menopausa. Segundo, a endometriose se desenvolve na presença de grandes quantidades de estrogênio, o hormônio feminino. E a mulher que entra na menopausa deixa de produzir o estrogênio, fazendo com que a doença regrida. Uma dica importante é que a mulher que faz reposição hormonal inadequada pode ter um retorno dos sintomas da endometriose.

Olga Goulart – Bom, se não tratada a endometriose pode deixar a mulher infértil, essa afirmativa procede, é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Verdade. Se não diagnosticada precocemente e tratada adequadamente a mulher com endometriose pode desenvolver a infertilidade. O tratamento então consiste em corrigir os mecanismos associados a infertilidade, são eles: formação de aderências, alterações na anatomia pélvica feminina, diminuição da reserva ovariana, aumento de células inflamatórias, alterações hormonais e dificuldade de implantação do ovo fecundado no útero. Todos estes fatores levam primeiro a um prejuízo na ovulação e na qualidade dos óvulos. Segundo, a impossibilidade de fecundação que é o encontro do espermatozoide com o óvulo. Terceiro, mesmo após a fecundação pode ocorrer uma dificuldade para implantação e o crescimento do embrião no útero. Portanto, é fundamental que se tenha um diagnóstico rápido, com a classificação do grau de severidade da doença, para que se realize o tratamento o mais precoce possível.

Olga Goulart – Doutor, a endometriose é um tipo de câncer ou pode evoluir para uma doença maligna? Isso é mito ou é verdade?

Dr. Alan Coutinho – Bem, essa é uma pergunta ainda sem resposta. Porém sabemos que a endometriose não é considerada câncer, nem uma doença pré-maligna, porém ela tem características semelhantes ao câncer. Por exemplo, a endometriose consegue invadir outros tecidos, formar vasos sanguíneos, se disseminar à distância e até mesmo retornar após o tratamento. Sabemos também que existem estudos epidemiológicos demonstrando discreto aumento no risco de desenvolvimento do câncer de ovário em mulheres com endometriose, mas até o momento nenhuma evidência de malignização foi comprovada efetivamente.

Olga Goulart – Ótimo. Conversamos com o médico Alan Coutinho, especialista em ginecologia e obstetrícia e conseguimos tirar muitas dúvidas em torno da endometriose. Doutor, muito obrigada e até a próxima oportunidade.