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Ginecologia e Obstetrícia

Vídeo Completo – Série Zika Vírus

Por Dr. Manoel Sarno

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Viva Mais Viva Melhor – O que é o Zika Vírus e quando ele foi identificado pela primeira vez no Brasil?
Dr. Manoel Sarno – O Zika Vírus é um Flavivírus, é semelhante ao vírus da dengue. Existia no início do ano passado (2015) uma doença exantemática indeterminada, foi assim chamada pela Prefeitura Municipal de Salvador que atingiu uma quantidade muito grande de pessoas, pessoas que ficavam com a febre baixa, ela tinha manchas pelo corpo, faziam exames para dengue e Chikungunya e eles davam negativos. Então ficou com essa possibilidade de doença exantemática indeterminada. Foi quando, em maio de 2015, o professor Gubio Soares do Instituto de Ciências da Saúde aqui da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ele conseguiu isolar em 24 pacientes em Camaçari este vírus, o Zika Vírus e daí a gente chegou a um dado alarmante de 63 mil pessoas infectadas no ano de 2015.

Viva Mais Viva Melhor – Como ocorre a transmissão do Zika Vírus?
Dr. Manoel Sarno – O vírus da Zika, principalmente, é transmitido através da picada do mosquito Aedes, que aqui no Brasil é o Aedes aegypti e na Europa é o Aedes Albopictus. Para cada continente e para cada país pode ter um mosquito diferente deste mesmo tipo Aedes que pode transmitir o vírus.
Existem outras formas de transmissão que estão sendo investigadas. Então recentemente houve uma epidemia de microcefalia e a identificação de vírus em bebês nascidos de mães que apresentaram a doença exantemática, então se discute a transmissão vertical ou a transplacentária do vírus da Zika e ao meu ver está muito bem documentada inclusive com exames de microscopia eletrônica identificando o vírus em sistema nervoso central de recém-nascidos. Outras vias de transmissão como a via sanguínea com a doação de sangue, pela via também sexual, existem dois casos na literatura que foram encontrados o vírus no espermatozoide (esperma) e a companheira destes dois pacientes começaram a apresentar os sintomas. Existe o vírus ativo na saliva na infecção aguda, porém a gente não sabe se essa via de transmissão oral-oral pode ser uma via de transmissão real, a gente precisa investigar mais para responder a essas perguntas. Não se sabe também se a amamentação pode transmitir o vírus para os recém-nascidos, a recomendação é que não seja suspensa a amamentação mesmo na fase ativa da doença em que uma puérpera, por exemplo, uma mulher que acabou de ter filho, apresente a infecção por Zika Vírus.

Viva Mais Viva Melhor – Quais são os principais sinais e sintomas do Zika Vírus?
Dr. Manoel Sarno – A infecção por Zika Vírus ele causa uma febre baixa, uma mancha pelo corpo, pode dar dores articulares (dores nas juntas), mas menos intensa do que na Chikungunya, por exemplo. Ela pode desenvolver uma conjuntivite que não é purulenta, não tem secreção, é uma irritação nos olhos, pode ter dor de cabeça, pode ter uma síndrome febril, uma doença mais leve como se a pessoa tivesse uma gripe ou ela pode ser assintomática. A Organização Mundial da Saúde (OMS) refere que 80% da população que apresenta o vírus circulante ele é assintomático. Na epidemia que houve na Polinésia Francesa, por exemplo, 78% da população depois da epidemia se tornou imune ao vírus e nem todo mundo apresentou sintomas. Então os sintomas são muito variados. O que é importante é que estes sintomas são leves, eles duram no máximo 5 dias e desaparecem e não cronificam. A pessoa que tem em 2 ou 3 meses dores articulares isso não é Zika, provavelmente isso é Chikungunya.

Viva Mais Viva Melhor – Qual a relação entre o Zika Vírus e a microcefalia?
Dr. Manoel Sarno – Depois da epidemia de Zika no primeiro semestre de 2015, houve um aumento da notificação de bebês nascendo com microcefalia no segundo trimestre de 2015. Isso fez com que os pesquisadores e cientistas percebessem uma relação de tempo. Nós atendemos estes casos, desde julho de 2015 eu atendi 4 pacientes em um período de 2 semanas com o diagnóstico de microcefalia fetal a ultrassonografia e todas elas referiram para mim um histórico de doença exantemática, de manchas pelo corpo no primeiro trimestre da gestação. O que chamava a atenção desde aquela época e depois a gente foi aprofundando estes estudos, hoje eu tenho mais de 80 pacientes atendidas com este perfil, são calcificações no cérebro. Calcificações no cérebro, no fígado ou na placenta de uma característica específica são muito sugestivas de infecção congênita. Quando nós íamos identificar qual agente citomegalovírus, sífilis, parvovírus b19 ou outros vírus como a rubéola por exemplo não encontravam exames que detectassem estas infecções. Então era muito sugestivo de infecção. O bebê se desenvolvia com a microcefalia, com a cabeça muito pequena, e com histórico prévio em uma boa parte destas gestantes de uma infecção por uma doença exantemática sugestiva de Zika no primeiro trimestre. Qual o problema da gente fechar este diagnóstico? Nós não temos ainda exames laboratoriais para o vírus Zika que são confiáveis, que são comercialmente disponíveis. Então nós ficamos sempre com este entrave, nós suspeitamos da doença, nós vemos a infecção e a microcefalia, mas a comprovação laboratorial a gente vai ter que esperar um pouco mais para ter este teste mais disponível para a população em geral.

Viva Mais Viva Melhor – Tendo em vista os inúmeros casos de microcefalia relacionados ao Zika Vírus, quais as recomendações para as mulheres grávidas?
Dr. Manoel Sarno – Primeiro é se prevenir. Veja na sua casa se você tem algum foco do mosquito uma vez por semana, o ciclo do mosquito é semanal. Então se você limpou todos os focos do mosquito naquele sábado, por exemplo, até o outro sábado você não vai ter um novo foco. No outro sábado você vai dedicar 10 a 15 minutos da sua vida para novamente observar se tem algum vaso de planta que está acumulando água, se tem alguma tampinha de garrafa. Não se esquecer que muitas vezes o foco do mosquito está nas caixas d'água das casas das pessoas. Então é preciso a gente ter acesso a algumas áreas que normalmente a gente não visita. Isso é uma questão de saúde pública e é uma responsabilidade nossa como cidadão. Não adianta a gente aguardar que o exército, a marinha, a aeronáutica ou o governo municipal, federal ou estadual vai tomar conta do foco que está intradomiciliar. A gente percebe que em determinadas populações até 80% dos focos são intradomiciliares. Então somos nós cidadãos que vamos ter que cuidar destes focos. Isso é uma conduta, a segunda conduta seria a proteção pessoal. Então portas e janelas teladas de casa, uso do mosquiteiro, uso de repelentes em aerosol na casa, uso de repelentes corporais, uso de roupas compridas e o problema é que o mosquito também pode picar através das roupas finas, então é importante também colocar o repelente em spray no seu corpo. Se uma gestante apresentar alguns destes sintomas de febre baixa e manchas pelo corpo durante a gestação ela tem que procurar um médico imediatamente, fazer os exames necessários para tentar identificar o vírus, que é chamado de PCR que ele dá positivo nos primeiros 5 dias dos sintomas, e fazer um acompanhamento mais de perto para ver se há alguma repercussão fetal, porque nem toda gestante que vai ter a infecção por Zika Vírus vai desenvolver alguma anomalia fetal.

Viva Mais Viva Melhor – Se a mulher engravidar após se curar da Zika, há riscos do bebê ter microcefalia?
Dr. Manoel Sarno – A gente acredita que em alguma vez infectada pela Zika cause imunidade à pessoa. Ou seja, se uma mulher que quer engravidar em 2016 e ela teve o contato em 2015 com a infecção por Zika esse é o melhor dos mundos, porque a gente acredita que ela esteja, a luz que a gente conhece de outras infecções semelhantes, ela está imune ao vírus da Zika. Claro que a gente vai precisar fazer outros estudos, principalmente com as sorologias, como IgM e IgG, que ainda não está disponível no mercado para saber se há imunidade prévia, mas esta é uma possibilidade real de proteção para uma próxima gestação.

Viva Mais Viva Melhor – Comenta-se sobre a possibilidade de um lote vencido da vacina contra a rubéola ser a causa da microcefalia, isso é verdade?
Dr. Manoel Sarno – A vacinação para a rubéola não é recomendada durante a gestação. A vacina da rubéola é vírus atenuada, não há comprovação de que essa vacina possa causar algum dano fetal, mas por precaução a Organização Mundial de Saúde recomenda que as gestantes não sejam vacinadas durante o pré-natal com esta vacina. Então é uma falácia dizer que a há uma vacinação para a rubéola com lote vencido, ou não, porque não é uma recomendação do sistema de saúde. Na nossa casuística por exemplo, nós não tivemos nenhuma gestante que foi vacinada para a rubéola durante o pré-natal. Isso é mais um mito, mais um boato de internet que a gente não pode levar em consideração.

Viva Mais Viva Melhor – Como é feito o diagnóstico do Zika Vírus?
Dr. Manoel Sarno – O diagnóstico do Zika Vírus atualmente laboratorialmente ele só pode ser feito nos primeiros 5 dias, depois deste período este vírus não é encontrado mais no sangue. As vezes até 10 dias a gente encontra na urina, mas é nesse período do aparecimento dos sintomas que a gente pode fazer o diagnóstico. Para aquelas pessoas que são assintomáticas não há como fazer o diagnóstico. Com o desenvolvimento de testes específicos de ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática), do IgM ou IgG que são testes sorológicos que estão sendo desenvolvidos por vários laboratórios no mundo inteiro, vai ser possível a gente identificar o IgM na fase aguda e o IgG na fase mais crônica ou se teve contato prévio. Se a pessoa tem, por exemplo, um IgG positivo e um IgM negativo, significa que ela já está imune, que ela teve contato prévio com Zika e não tem mais risco de desenvolver a doença posteriormente.

Viva Mais Viva Melhor – Como é feito o tratamento contra o Zika Vírus?
Dr. Manoel Sarno – Não existe tratamento para o Zika Vírus, são sintomáticos, se tiverem uma febre que está incomodando usar o antitérmico, se tiver muito prurido utilizar medicações que vão diminuir o prurido como antialérgicos, por exemplo, mas não existe ainda um tratamento específico para o vírus. Então o tratamento é sintomático e para o adulto ele gera pouco problema. Existem alguns relatos de uma doença neurológica, o Guillain-Barré que não é tão frequente assim para quem tem Zika, mas tem uma associação realmente de alguns relatos de alguns pesquisadores.

Viva Mais Viva Melhor – Qual a diferença entre a dengue, a Chikungunya e a Zika? O Aedes Aegypti pode transmitir mais de uma doença ao mesmo tempo?
Dr. Manoel Sarno – Este é o grande problema da epidemia que nós estamos vivendo. O mesmo mosquito pode transmitir 3 doenças diferentes. É muito raro, muito difícil, a pessoa desenvolver as 3 doenças ao mesmo tempo. Mas eu já tive pacientes, por exemplo, de ter 2 doenças exantemáticas com um intervalo de 4 meses entre si. Então provavelmente ela deve ter tido uma vez Zika, outra vez Chikungunya, uma vez Chikungunya e outra vez dengue e isso vai debilitando realmente a saúde do indivíduo. A diferença entre as três muitas vezes a gente não consegue fazer clinicamente, clinicamente é muito difícil porque os sintomas são muito semelhantes. Porém, a gente sabe que a dengue, por exemplo, vai dar uma coceira, um prurido menor do que a Zika, por exemplo, vai dar dor retro-orbitária que na Zika vai ser menor, vai ter alterações de coagulação do sangue, vai ter facilidade de sangramento, alterações no hemograma que no Zika não vai aparecer. Já o que marca mais o Chikungunya é febre mais elevada do que na Zika e dores articulares mais intensas e que se prolongam além de 10 dias. Na Zika os sintomas são mais brandos, então é febre mais baixa e o que chama atenção é que o prurido, a coceira que o paciente refere, ele é mais precoce e mais intenso do que na dengue e na Chikungunya. Então estas são as características. A Zika também pode desenvolver, por exemplo, conjuntivite não purulenta que na dengue e na Chikungunya não tem. Então são características pontuais que a gente pode clinicamente tentar distinguir uma situação da outra, porém muitas vezes a gente acha que é Zika, acha que é Chikungunya e vai fazer o exame laboratorial e, na verdade, o que a gente achava que era Zika era Chikungunya e vice-versa.

Viva Mais Viva Melhor – Além da microcefalia, há suspeitas da associação do vírus Zika com outras doenças?
Dr. Manoel Sarno – O vírus está sendo aventada a possibilidade de ela ser causa de uma síndrome neurológica muito rara que é a síndrome Guillain-Barré. Nós tivemos no ano passado (2015) um aumento do número de casos aqui na Bahia, nós tivemos 64 casos de Guillain-Barré e muitos deles com histórico de infecção por Zika em adultos, isso a gente está falando em adultos. Há relatos também nos recém-nascidos além da microcefalia a apresentação, por exemplo, de dilatações cerebrais, calcificações cerebrais, lesões destrutivas, alterações oftalmológicas, está sendo investigada também alterações de audição, otorrinolaringológicas. Então existem uma série de sintomas e sinais que podem ser relacionados ou associados a infecção por Zika Vírus, inclusive até bebês hidrópicos, bebês que ficam edemaciados, inchados e até o óbito fetal, a restrição de crescimento é possível estar relacionada com o Zika Vírus. Então a situação é alarmante esta epidemia que nós estamos vivendo.

Viva Mais Viva Melhor – Existe vacina contra o Zika Vírus?
Dr. Manoel Sarno – Ainda não há o desenvolvimento de vacinas para o Zika Vírus. Existe uma probabilidade de, nos próximos anos, não meses, mas próximos 5 anos ou talvez menos, o desenvolvimento de uma vacina para o Zika Vírus. É muito difícil o desenvolvimento de vacina, a gente não conhece o vírus direito, é um vírus novo. A gente precisa cultivá-lo em laboratório, a gente precisa fazer exames específicos, para depois pensar em fazer uma vacina. Existe muita informação circulando na mídia, até alguns gestores públicos falando de desenvolvimento de vacina, mas isso é uma falácia. A gente não pode enganar a população. A vacina para o Zika Vírus ainda não tem nenhum tipo de probabilidade em um período curto ou médio de tempo para se desenvolver. A vacina da dengue, por exemplo, ela não oferece uma proteção capaz e satisfatória. Então, por exemplo, uma cobertura de 65 a 70% da população para o dengue com a vacina ela é baixa comparado com outras vacinas. Então como é um vírus semelhante ao Zika, a gente tem uma vacina que foi lançada no México, uma outra vacina que está sendo testada no Brasil, mas a gente ainda está longe do ideal. É importante que as pessoas saibam que a vacina vai ser um grande avanço, mas não é a realidade a curto prazo.

Viva Mais Viva Melhor – É correto afirmar que o uso de larvicida e agrotóxicos é a verdadeira causa da microcefalia?
Dr. Manoel Sarno – Mais um boato, mais uma falácia em relação a microcefalia e a infecção por Zika Vírus. A gente não pode descartar nenhuma possibilidade, mas não há nenhuma evidência científica de que um larvicida ou agrotóxico possa causar a microcefalia. Existe um relatório da Organização Mundial de Saúde para esse larvicida específico, que inclusive o governo do Rio Grande do Sul suspendeu a distribuição desta substância de forma muito precoce e intempestiva, porque não há nenhum relato, as sociedades todas de especialidades do Brasil estão alertas e estão alertando os gestores que não existe nenhuma correlação entre estas duas situações. E existe um marcador muito específico de infecção congênita nos bebês que estão nascendo com microcefalia que são as calcificações cerebrais. Estas calcificações cerebrais são praticamente certas de infecção congênita. Então quando a gente tem uma situação dessa e investiga as principais infecções congênitas que nós conhecemos que podem causar microcefalia como a rubéola, como citomegalovírus e outras infecções e nós não encontramos é muito provável que seja por um outro agente infeccioso. E por outro lado a gente já encontrou o vírus no líquido amniótico, no sangue do bebê, no líquor que é o líquido que banha o cérebro e no próprio tecido cerebral, inclusive com fotos de microscopia eletrônica como foi publicada na importante revista The New England Journal of Medicine (NEJM), ou seja, para o meio científico não há dúvida da conexão entre Zika e Microcefalia. Claro que a gente vai precisar investigar outras causas e outros fatores se esse vírus é suficiente para causar microcefalia, talvez existam cofatores que estejam favorecendo. Na Colômbia, por exemplo, a gente tem um quadro de infecção por Zika e ainda não houve nenhum quadro de microcefalia. Então a gente precisa investigar. Será que é o mesmo vírus? Será que é outro vírus? Ou será que tem algum outro fator que favorece, em conjunto com o Zika Vírus, o desenvolvimento destas alterações fetais? São perguntas que a pesquisa e o meio científico vai responder dentro em breve.