Nossas Entrevistas

Psiquiatria

Mitos e Verdades sobre Depressão e Bipolaridade

Por Dr. André Gordilho

(071) 21... Ver mais >

Viva Mais Viva Melhor – Nos dias atuais muito se ouve em falar em transtorno bipolar, patologia caracterizada por quadros intercalados de euforia e de depressão. Virou moda após famosos confirmarem cada vez mais terem sido diagnosticados pela doença. Porém, a bipolaridade não tem nada de glamour, pelo contrário, se não for bem tratada traz prejuízos e sofrimento ao paciente e também aos familiares. E para esclarecer melhor sobre o assunto, na nossa série Mitos e Verdades de hoje quem conversa conosco é o psiquiatra doutor André Gordilho.

Doutor, primeiramente é correto afirmar que só vai a um psiquiatra quem está em estado grave?
Dr. André Gordilho – Geralmente as pessoas tendem a pensar isso. Para buscar o psiquiatra as vezes precisa passar primeiro por outros médicos, porque ir ao psiquiatra ainda é uma coisa que gera um certo preconceito, como se for ao psiquiatra você tem que estar gravíssimo para ir, mas não é. A gente tem vários problemas emocionais, de ansiedade, de humor, que são bastante leves, mas que atrapalham demais a vida do dia a dia da pessoa e que se tratada de uma forma precoce melhora muito a qualidade de vida da pessoa. Então não se deve esperar até o quadro estar num ponto de gravidade avançada para se procurar um psiquiatra.

Viva Mais Viva Melhor – Transtorno mental é sinônimo de loucura, isso é mito ou é verdade?
Dr. André Gordilho – É mito e é verdade. Existem transtornos mentais que são associados à loucura, que a pessoa pode perder realmente a sua capacidade de julgamento, mudar completamente o comportamento e fazer coisas que as pessoas podem rotular como loucura, como sair pelo meio da rua quebrando coisas, ficar agressivo e etc., mas é um percentual menor dos transtornos mentais que causam isso. A grande maioria dos transtornos mentais não tem nada a ver com a loucura, são transtornos que mexem com as emoções, com o ânimo, com o lidar com o mundo, às vezes com a atenção e que não tem essa ligação com a loucura. Mas tem casos mais graves em que a pessoa pode sair da sua sanidade mental, porém, em geral, todos os casos que saem do padrão normal e que entram na “loucura”, eles são passíveis de melhora, ou seja, esses quadros quando tratados eles retornam.

Viva Mais Viva Melhor – A pessoa bipolar pode variar de humor diversas vezes ao dia, essa afirmativa é verdadeira ou é um mito?.
Dr. André Gordilho – Não é comum. Normalmente o bipolar tem o humor, uma função psíquica que tende a ser mais estável e duradoura. Então quando você tem o quadro bipolar que você está em fase de euforia aquilo tende a durar um período maior do que um dia, uma tarde, dura semanas até estabilizar, a mesma coisa no quadro depressivo. Você faz o polo negativo/depressivo, aquilo dura um período, é tratado e voltado ao humor estável, a eutimia. Existem alguns casos que a gente chama de estados mistos em que a pessoa pode ter uma oscilação maior deste humor durante o dia. O que acontece mais normalmente é a pessoa estar em euforia e apresenta irritabilidade também. As vezes está com ideias de grandeza, feliz e desinibido e ao mesmo tempo explode com pequenas coisas. Então se isso for chamado de oscilações de humor durante o dia isso pode acontecer, mas não é tão comum acontecer, ou seja, você está em euforia e aí de manhã ou de tarde está deprimido e meio dia está em euforia de novo, não é assim que funciona. Mas é possível em quadros mais graves com quadros mistos.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, é mito ou é verdade que o transtorno bipolar só afeta o humor?
Dr. André Gordilho – O humor é a função psíquica principal que está afetado, porque ele é um transtorno do humor. Então quando o humor se eleva você faz um quadro de euforia, quando o humor rebaixa você faz um quadro depressivo, é basicamente isso. Porém, a gente sabe que o humor altera as outras funções psíquicas também. Então quando você está deprimido você pode gerar um prejuízo da atenção, da capacidade do pensamento que as vezes fica lentificado, você perde também energia, diminui a concentração. Ou seja, a alteração do humor é uma alteração primária, mas ela termina que altera as outras funções psíquicas também. Porém, quando ele estabiliza as outras funções psíquicas estabilizam também.

Viva Mais Viva Melhor – O transtorno bipolar é uma doença como outra qualquer, como diabetes por exemplo. Mito ou verdade?
Dr. André Gordilho – É verdade. É uma doença que tem tratamento, tem sua evolução, a fisiopatologia própria do transtorno. Como diabetes e um problema de tireoide tem um modo que aparecem sintomas próprios, tem um tratamento adequado e uma evolução própria geralmente após este tratamento. Então é uma doença que pode ser encarada como uma doença mesmo e que tem tratamento. Não como uma frescura ou defeito de caráter, a pessoa estar fazendo manha. Não, ela está doente e é uma doença médica e que tem que ser tratada.

Viva Mais Viva Melhor – Van Gogh é um caso célebre de portador da doença bipolar e muitos atribuem a sua qualidade criativa à bipolaridade. É correto afirmar que o bipolar é mais criativo e produtivo, doutor?
Dr. André Gordilho – Existem vários estudos que associam a bipolaridade à criatividade. Tem a Kay Jamison que é uma psiquiatra famosíssima do Johns Hopkins e ela tem um estudo interessantíssimo sobre isso e outros psiquiatras também, que associam a criatividade ao transtorno mental. O que se sabe, que se acredita é que os bipolares tendem a ter eventualmente, não são todos e não tem comprovação sobre isso, mas essas pessoas têm uma sensibilidade maior ao ambiente, que são mais culminativas, pessoas que são mais sensíveis às pequenas coisas e que as vezes a pessoa média não tem essa sensibilidade. Tanto é que os artistas tendem a ter uma sensibilidade aumentada, a observar o ambiente e pegar os pequenos detalhes e colocar esses detalhes numa tela ou a escrever ou compor. Então as pessoas tendem a isso e isso as vezes se exacerba no quadro bipolar. Tem alguns estudos que mostram que a capacidade verbal associada à inteligência verbal dos bipolares isso não está prejudicado, em alguns casos está até aumentado, o que pode sugerir que essa criatividade esteja aumentada. Mas não tem nada batido o martelo ou completamente comprovado, mas algumas coisas apontam que isso pode realmente existir.

Viva Mais Viva Melhor – O paciente bipolar está fadado a ser uma pessoa infeliz, isso é mito ou é verdade?
Dr. André Gordilho – Isso é mito! Se ele não tratar a doença ela vai ficar aparecendo, vai ficar se reagudizando e isso torna difícil realmente os relacionamentos, a vida profissional e a vida familiar. Mas se tratando adequadamente não tem nenhum motivo para que ele não possa ser feliz.

Viva Mais Viva Melhor – Entender que o tratamento bipolar é uma condição clínica e não o confundir com preguiça, desânimo e inconsequência é fundamental para o correto encaminhamento de quem sofre as variações de humor. Está correta essa afirmativa?
Dr. André Gordilho – Está corretíssima. Porque se você pega uma pessoa que está deprimida e você atribui isso a frescura, a preguiça porque a pessoa não tem motivo para ter isso, ou seja, tem uma vida boa e está aí reclamando, fica deitado e que isso é falta de vergonha. Aí a pessoa realmente não consegue melhorar, porque não é uma coisa do querer, “hoje eu estou uma semana deprimido e hoje resolvi que vou acordar bem”, ou “porque fez sol eu vou levantar e ficar bem”. Não é assim que funciona. Se você não encaminha para o tratamento adequado a pessoa tende a evoluir e a doença se manter.

Viva Mais Viva Melhor – Muita gente pensa que depressão e tristeza são a mesma coisa, isso é mito ou é verdade?
Dr. André Gordilho – Isso é mito. A tristeza é um sintoma, é uma emoção, é um sintoma da depressão. A depressão não é sinônimo de tristeza, é possível até você estar deprimido sem apresentar essas queixas necessariamente de tristeza. Por exemplo, no idoso mesmo as vezes está deprimido e não se queixa de tristeza, ele se queixa que perdeu a graça pela vida, o prazer das coisas, tem um monte de queixa somática, dor aqui e dor acolá, está se isolando, cansaço, mas a tristeza não necessariamente não está presente. Então a depressão é um conjunto de sinais e sintomas, nos quais alguns são obrigatórios, a tristeza é um dos sintomas principais junto com a perda da capacidade de sentir prazer (anedonia), associada a vários outros sintomas que existem por um período para que isso seja identificado como um quadro depressivo.

Viva Mais Viva Melhor – Mito ou verdade de que a depressão é uma doença genética?
Dr. André Gordilho – O que se sabe é que as pessoas que têm um histórico familiar de depressão, principalmente um parente de primeiro grau, você tem uma chance maior de desenvolver. A mulher deprime mais do que o homem, duas vezes para um. Então quem tem um histórico familiar de transtorno de humor ou essas coisas tende a ter um maior risco de desenvolver, o que significa que a presença da genética existe, mas não é obrigatória, você pode desenvolver sem necessariamente ter a presença da genética. O que se sabe hoje em dia é que a causa tende a ser multifatorial, você tem fatores genéticos, fatores ambientais, fatores da vida, algum trauma que pode ter sofrido e se você tem uma vulnerabilidade, uma predisposição a tendência é que isso possa aparecer. Hoje em dia com a epigenética, eventualmente se sofre algum trauma ou algum evento muito significativo você pode gerar alterações no gene e essas alterações podem gerar uma vulnerabilidade genética e a partir de aí você desenvolver o problema. Então a parte genética pode estar envolvida sim, mas não é necessariamente a coisa mais importante.

Viva Mais Viva Melhor – Problemas como depressão e ansiedade podem impedir a pessoa de trabalhar, isso é verdade ou é um mito?
Dr. André Gordilho – Verdade. A depressão é uma das várias causas de absenteísmo, de incapacidade. A pessoa tende a quando está deprimida ficar muito triste, desanimada, lentificada, às vezes com dificuldade de raciocínio, sem energia e a pessoa tende a faltar os compromissos, e chegar no ponto de não conseguir nem sair da cama, nem fazer a higiene básica em alguns quadros depressivos. A ansiedade também em quadros mais graves também pode impedir a pessoa de conseguir sair de casa, ter crise de pânico, medo de ir a lugares abertos ou de lugares fechados. Com certeza, tanto a depressão como a ansiedade podem impedir a pessoa de trabalhar se não tratada adequadamente.

Viva Mais Viva Melhor – Quem abusa de álcool e drogas isso pode potencializar os episódios de transtorno bipolar? Isso é mito ou é verdade?
Dr. André Gordilho – Se você tiver uma predisposição na genética para desenvolver, se você usar determinados tipos de drogas como, por exemplo, a cocaína, vai aumentar a dopamina no sistema límbico e isso pode gerar quadros psicóticos, ou seja, injetar o start para a pessoa desenvolver problemas. Em geral é o caminho contrário. A pessoa que tem o transtorno bipolar tende a abusar mais de drogas do que a pessoa que não tem. Então você corre um risco maior porque está mais desinibido, achando que pode fazer tudo ou então está deprimido e ali o uso da droga ou álcool serve para você encontrar um momentozinho de alegria. Então o problema de bipolaridade, o problema de humor e o uso de drogas podem coexistir e muitas vezes um potencializar o outro.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, sem tratamento pacientes bipolares podem até levar uma vida normal por períodos, pois a doença é cíclica, só que naturalmente vai acumulado danos nas relações. Essa afirmativa é verdadeira ou é falsa?
Dr. André Gordilho – É verdade. A doença tem o período, mesmo se você não tratar ela tende a estabilizar por um período. Mas o que acontece é que não tratando a tendência é que a doença volte. Então você passa um período doente, aí digamos que estabiliza por um período e a doença volta de novo. O que se sabe é que quanto mais crise mais a doença vai se agravando. Estes períodos intercrises vão diminuindo e então o tempo de normalidade fica cada vez menor e a duração e a gravidade das crises aumentam. O que poderia durar 6 meses dura 1 ano ou 2 anos e a coisa vai indo. Geralmente quando a coisa chega num ponto é muito difícil não se procurar algum tratamento porque a pessoa na depressão chega a um ponto que eventualmente chega a um descuido total, ao adoecimento e eventualmente até o suicídio. Como na fase de euforia a pessoa fica mais desinibida, mais impulsiva, com risco de sofrer acidentes e de criar danos morais muito graves. Então é difícil não se chegar num tratamento qualquer. O importante é tratar, porque não tratando a doença vai se agravando com o passar do tempo e o tratamento faz com que você estabilize a doença e consiga levar uma vida normal.

Viva Mais Viva Melhor – O transtorno bipolar não tem cura, isso é mito ou é verdade?
Dr. André Gordilho – É verdade. Até hoje não se sabe, não se descobriu uma cura para o transtorno bipolar. Mas tem tratamento e o tratamento permite que a pessoa leve uma vida normal. Várias doenças não têm cura, você tem o hipotireoidismo e isso não tem cura, você trata repondo o hormônio da tireoide. O diabetes tipo 1 não tem cura, você vai tratar usando medicação, estabilizando, algumas cirurgias prometem eventualmente a cura, mas ainda isso está evoluindo. Então várias doenças não têm cura, mas você pode tratar e viver normalmente e a bipolaridade é uma dessas. Mas o não tratamento vai fazer com que a doença se agrave e as vezes, você tendo várias crises, a doença tende a deixar sintomas residuais. Portanto, é importante tratar e bem tratado desde o início para que você possa levar uma vida normal como uma pessoa que não tivesse o transtorno.

Viva Mais Viva Melhor – É correto afirmar que os medicamentos psiquiátricos viciam, doutor?
Dr. André Gordilho – Não, de forma nenhuma. As pessoas começam a achar assim “eu não quero tomar medicamento antidepressivo porque vou ficar viciado para a depressão”. O que vai fazendo com que a pessoa use a medicação ou não use é a doença, então é a doença que vai indicar a necessidade do uso prolongado ou do uso à vida inteira. Ninguém é viciado em antidepressivo, “vou tomar um antidepressivo para ter uma onda com o antidepressivo”, como as pessoas usam uma maconha ou cocaína. Não é dessa maneira que funciona. As pessoas acham que, por precisarem usar por um período longo ou porque quando tiram a medicação as pessoas as vezes pioram, que estão viciadas. Não é porque estão viciadas, é porque a doença não regrediu, ou seja, não curou e que muitas vezes a pessoa tem que tratar mesmo por um período indeterminado. Mas não é porque é viciado, o conceito de vício ou de dependência é outro.

Viva Mais Viva Melhor – Conversamos com o doutor André Gordilho, psiquiatra. Doutor, muito obrigada e até a próxima oportunidade.