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Psiquiatria

Tema: Transtorno Bipolar

Por Dr. André Gordilho

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Viva Mais Viva Melhor – Doença que se caracteriza pela alternância de humor, o transtorno bipolar nem sempre é de fácil diagnóstico. É um problema em que o paciente hora está com humor exagerado, hora em depressão, com períodos intercalados de tranquilidade. Algumas evidências apontam que a genética possa influenciar no surgimento da doença, porém fatores ambientais estão diretamente ligados a este processo. Na maioria das vezes o paciente não percebe as suas atitudes e é preciso que os familiares estejam bem informados para reconhecer os sintomas e também o caminho para um tratamento adequado. Para esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre o assunto, quem conversa conosco hoje é o médico André Gordilho, especialista em psiquiatria.

Doutor, primeiramente, todos passamos por momentos de euforia e de grandes tristezas em algum momento da vida, como fazer para diferenciar uma fase normal da vida com um quadro de uma perturbação mental?
Dr. André Gordilho – O transtorno de humor que pode acontecer em diversos grupos de condições clínicas, onde você tem uma polarização do humor tanto para depressão quanto para elação e essa polarização é proeminente e considerada fundamental, ou seja, gera consequências na vida da pessoa. Tem muita controvérsia entre a distinção em situações normais do humor e o transtorno do humor propriamente dito, principalmente as vezes até o depressivo. Mas pode se dizer que o transtorno de humor é patológico quando existe geralmente uma constelação de sinais e sintomas, uma síndrome, com duração e gravidade suficiente que levem a uma perda substancial da capacidade funcional da pessoa. Então, se esses sintomas levam a perda, a problemas e a consequências que podem atingir o âmbito profissional, familiar, moral, isso passa a ser patológico.

Viva Mais Viva Melhor – O paciente já nasce com esse transtorno bipolar ou ele desenvolve isso?
Dr. André Gordilho – Veja só, você pode nascer eventualmente com uma predisposição, nascer com a genética, se você tem um filho de uma pessoa que é bipolar, provavelmente você tem uma genética “favorável” para desenvolvimento do problema, mas você desenvolve com o passar do tempo.

Viva Mais Viva Melhor – Quais são os sintomas mais comuns característicos de uma pessoa bipolar?
Dr. André Gordilho – O que caracteriza a bipolaridade é exatamente os dois pólos: a euforia e a depressão. Às vezes é difícil saber numa primeira crise, principalmente se a primeira crise for depressiva, porque a gente pode ter a dúvida se o paciente é um depressivo unipolar ou bipolar, mas a saber as características mais comuns é o humor elevado, é o aumento da autoestima, da grandiosidade, redução da necessidade do sono, ele fala mais do que o habitual, fica verborreico, apresenta fuga de ideias que é perda na continuidade do discurso, ele vai mudando de tema de uma forma mais aleatória, fica mais distraído, com o aumento da atividade, com mais energia, mais desinibido, mas gastador, enfim, com um risco de maior exposição. Esse é o quadro básico da euforia. A depressão é caracterizada por tristeza, humor deprimido, ou perda de prazer nas atividades habituais, associada a perda de interesse, diminuição da energia, insônia ou as vezes hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga, sentimentos de inutilidade, chegando até a pensamentos de suicídio e de morte.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, você já falou dos traços de herança genética e tudo mais. Dá para precisar qual a deficiência que acontece no cérebro da pessoa para que ela venha a desenvolver um quadro de bipolaridade, ou seja, com euforia e com depressão?
Dr. André Gordilho – Tem fatores genéticos, tem fatores de alterações ao nível de neurotransmissores. Você tem uma disfunção em determinadas áreas do cérebro que podem mexer com neurotransmissores como a serotonina, noradrenalina, como a dopamina e essa disfunção pode vir a gerar estes sintomas.

Viva Mais Viva Melhor – Existe um perfil predisponente a desenvolver a bipolaridade? Por exemplo, a medicina pode prever se uma criança pode desenvolver esse problema?
Dr. André Gordilho – A gente tem que ficar mais atento nas pessoas que têm um histórico familiar de bipolaridade. No caso das pessoas que têm o histórico familiar de bipolaridade a gente precisa ficar mais atento a estas pessoas, no desenvolvimento, como é que evolui. E sempre atento, isso para qualquer problema mental, a mudança de comportamento, se uma pessoa sempre funcionou de uma maneira e sempre agiu de um determinado modo e de repente muda esse modo de funcionamento de forma radical, se sempre foi uma pessoa alegre e conversava e de repente fica introvertida, se esconde no quarto, não quer ver mais ninguém, deixa de se cuidar, de tomar banho ou uma pessoa que começa a ficar saindo demais, sem necessidade de dormir, falante demais. A mudança de comportamento é o alerta mais importante, para quem tem o histórico familiar também ficar atento.

Viva Mais Viva Melhor – A bipolaridade pode acontecer em qualquer fase da vida, doutor?
Dr. André Gordilho – Sim, mas é mais comum na idade adulta, geralmente depois dos 20 anos acontece de forma mais comum.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, se não for tratado o transtorno bipolar pode predispor a outras complicações?
Dr. André Gordilho – Sim, se você não tratar leva ao agravamento da doença. Se você tem crises repetidas a tendência da doença é se agravar, ela vai ficando mais difícil de ser tratada, mais resistente, o intervalo entre as crises diminui, o tempo de crise aumenta e pode desenvolver sintomas mistos, levar a uma complicação natural da doença. Se você parar numa fase de mania, você se expõe a maiores riscos, você se descuida, sexualmente você pode devido a desinibição ficar mais exposto a pegar determinadas doenças, você pode se arriscar mais no trânsito, a brigas e sofrer um acidente ou alguma briga que possa te levar a problemas maiores. No quadro depressivo o descuido pessoal, deixar de se alimentar, não cuidar da própria saúde, também pode levar ao próprio suicídio, ou seja, pode levar a outros problemas.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, o transtorno bipolar pode ser confundido com outros problemas psicológicos ou psiquiátricos? Como é que se diagnostica? Existem exames específicos ou só a parte clínica com um exame clínico?
Dr. André Gordilho – O diagnóstico principal ou fundamental é clínico, através de uma boa história, de uma boa avaliação clínica, de um bom exame psíquico e baseado na história do paciente. Os exames são mais utilizados para excluir problemas clínicos que possam estar influenciando no quadro do paciente. Tem problemas de tireoide que podem levar o paciente a ficar com problemas depressivos, aí você vai fazer a avaliação da tireoide dessa pessoa para ver se isso está gerando nenhum tipo de problema. Mas o diagnóstico é essencialmente clínico.

Viva Mais Viva Melhor – Doutor, como os familiares podem ajudar o paciente a sair de uma crise, seja de euforia ou de depressão, uma vez que eles, às vezes, não reconhecem que estão vivendo o problema?
Dr. André Gordilho – Primeiro ponto é a família ficar atenta a mudança do paciente e ao identificar a mudança entender isso como um problema médico. Em geral as pessoas têm muita dificuldade de compreender os problemas mentais como um problema médico, é muito envolto de uma aura de preconceito e dificuldade de entender o problema e geralmente deixam para tomar providência quando a coisa está num grau bastante avançado. Então é buscar um acompanhamento médico e buscar compreender o paciente, se solidarizar com o problema dele e encaminhar para um tratamento psiquiátrico o mais rápido possível para que esse paciente possa ser avaliado, diagnosticado corretamente e introduzir nele o tratamento adequado.

Viva Mais Viva Melhor – Atualmente quais são as opções mais modernas em termos de tratamento? E qual a importância também do acompanhamento psicológico deste paciente junto a uma equipe interdisciplinar, ou seja, utilizando-se de todos os recursos terapêuticos somados ao tratamento medicamentoso?
Dr. André Gordilho – O paciente com o transtorno bipolar vai ter que usar medicação, não tem como fugir disso. Ele precisa usar medicação, ele vai ter que tomar um estabilizador de humor, alguma medicação para estabilizar o quadro dele. É extremamente importante que seja desenvolvido no paciente a autopatognose, ou seja, o reconhecimento da doença, ele precisa entender o que ele tem, ele precisa ser parte ativa no tratamento. Porque se ele não entender o que ele tem, se ele achar que não é e que não tem nada ele sempre vai tentar burlar o tratamento de alguma maneira. Temos de ter clareza com o paciente, explicar como que funciona o tratamento, explicar o remédio como funciona, explicar os possíveis efeitos colaterais e como lidar com os efeitos colaterais, lembrando que os efeitos colaterais têm tratamento, ou seja, se resolvem. A psicoterapia ajuda bastante no sentido de trabalhar nesse paciente na compreensão da doença e o que esse paciente vai desenvolver. É perfeitamente possível e comum um paciente bem tratado levar uma vida normal como se nada tivesse.

Viva Mais Viva Melhor – A bipolaridade tem cura ou só um controle mesmo, uma estabilização?
Dr. André Gordilho – Não, não tem cura, ela tem uma estabilização. A gente estabiliza e o paciente vai precisar de um acompanhamento para a vida toda. Mas geralmente quando se fala isso se dá um peso muito grande, mas não é diferente de um acompanhamento de um paciente diabético, de um paciente com hipotireoidismo, de um paciente hipertenso, porque ele vai ter que usar remédio também a vida inteira e tratar isso não necessariamente é algo de outro mundo, é apenas o reconhecimento de entender o problema e se tratar para poder levar uma vida perfeitamente normal.

Viva Mais Viva Melhor – Bom, doutor, é um tratamento muito oneroso? Nós sabemos que a nova política do Brasil deixou muita gente desassistida quando nos referimos a problemas psiquiátricos de um modo geral. É possível realizar este tratamento através de planos de saúde ou mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?
Dr. André Gordilho – Possível é, mas não é simples, principalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas você vai ter o custo da medicação, existem medicações das mais variadas faixas de preço, mas o tratamento vai depender da necessidade do paciente, o tipo de medicação que ele vai usar para que a gente possa instituir o melhor tratamento para aquele indivíduo, porque não tem uma receita de bolo que vai tratar todo mundo da mesma forma. Existem muitas medicações que o governo disponibiliza que são efetivas, mas são medicações as vezes mais antigas e têm um perfil de efeitos colaterais mais pronunciado. É preciso discutir com o paciente, discutir as condições dele, discutir como dar segmento ao tratamento para que tome a decisão e também faça parte dele para que ele entenda os custos que ele vai ter e como vai ser isso no futuro.

Viva Mais Viva Melhor – O importante é não deixar de tratar.
Dr. André Gordilho – Se deixar de tratar ele não vai conseguir ter uma vida normal e a doença vai se agravar.

Viva Mais Viva Melhor – Conversamos com o médico André Gordilho, médico especialista em psiquiatria. Doutor, muito obrigada e até a próxima.